Edição de autor, 2013
Talvez seja a honestidade orgânica que apregoa, ou até a visceralidade emocional com que soa, a atrair, aqui e ali, músicos adestrados na electricidade para a guitarra acústica. Esse percurso de um universo sónico pautado pelo peso dos décibeis para a nudez orgânica do exercício músico/guitarra envolve uma depuração de espírito que não está ao alcance de qualquer protagonista. Além da reconversão técnica que evidentemente se impõe, no sentido de "tirar" da guitarra acústica a plenitude da sua expressão enquanto instrumento intrinsecamente minimalista, a transição para esse acto solitário depende de um apuradíssimo sentido de equilíbrio na composição e na definição harmónica. Essa condição sine qua none para a robustez do som acústico vem sendo devidamente ensaiada por Rui Carvalho, o homem por detrás do epíteto Filho da Mãe. O "estágio" no orbe tonitruante dos If Lucy Fell deu-lhe as ferramentas todas para, hoje, ter um entendimento cabal das valências e limites de electricidade e acústica e, sobretudo, de como ambas as linguagens se adequam a propósitos diferentes. Nesse particular, o primeiro tomo a solo (Palácio, 2011) demarcou fronteiras estéticas, estabelecendo o Filho da Mãe como uma verdadeira entidade acústica, embora ainda à procura de domar (ou recontextualizar) a acelerada sanha rock que lhe morava na medula.
Dois anos depois, Cabeça é um documento mais sereno, sem ser menos copioso em ideias. Mas não se pense que a aparente serenidade trouxe sangue frio à música de Rui Carvalho, é intensíssima a entrega ao instrumento, tanto nos momentos em que recorre à endiabrada ansiedade do antecessor e parece despejar o peso do mundo nas cordas da guitarra, como naqueles em que alinha com a brandura e nos guia a ambientes mais introspectivos. Em qualquer deles, a música de Cabeça torna-se o sobrevivente de um redemoinho de emoções ao rubro e em conflito entre si. Ao mesmo tempo, essa energia arfante (importada do rock?) é posta ao serviço de composições multidimensionais, ora próximas da alma musical genuinamente portuguesa (leia-se Carlos Paredes), ora voltadas para outras latitudes e influências (as cadências aceleradas do punk, os contrastes entre o silêncio e o drone e os loops como ajudantes, por exemplo). E é exactamente aí, na exigência da gestão dessa mistura, que se percebe o equilíbrio do disco e o crescimento da relação de Rui Carvalho com o discurso acústico. Tem Cabeça, é certo, mas é feita de ímpeto e coração. Que mais é preciso para arrebatar?
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Dois anos depois, Cabeça é um documento mais sereno, sem ser menos copioso em ideias. Mas não se pense que a aparente serenidade trouxe sangue frio à música de Rui Carvalho, é intensíssima a entrega ao instrumento, tanto nos momentos em que recorre à endiabrada ansiedade do antecessor e parece despejar o peso do mundo nas cordas da guitarra, como naqueles em que alinha com a brandura e nos guia a ambientes mais introspectivos. Em qualquer deles, a música de Cabeça torna-se o sobrevivente de um redemoinho de emoções ao rubro e em conflito entre si. Ao mesmo tempo, essa energia arfante (importada do rock?) é posta ao serviço de composições multidimensionais, ora próximas da alma musical genuinamente portuguesa (leia-se Carlos Paredes), ora voltadas para outras latitudes e influências (as cadências aceleradas do punk, os contrastes entre o silêncio e o drone e os loops como ajudantes, por exemplo). E é exactamente aí, na exigência da gestão dessa mistura, que se percebe o equilíbrio do disco e o crescimento da relação de Rui Carvalho com o discurso acústico. Tem Cabeça, é certo, mas é feita de ímpeto e coração. Que mais é preciso para arrebatar?
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