Só o mais hipócrita puritanismo pode explicar porque é que o projecto La Chanson Noire nunca passou da marginalidade da cena musical nacional e chegou ao fim sem merecer honras de um espaço mediático a que o seu património musical teria legitimamente direito. Assumindo-se como um "manifesto artístico de música impopular portuguesa", o espaço criativo de Charles Sangnoir professou, durante meia-dúzia de anos de actividade, um mosaico musical assente numa curiosa miscigenação de géneros próximos da decadência humana, ora na sua vertente gótico-depressiva (e portanto carregada de negrume), ora nas máximas do hedonismo e do deboche. Em termos estéticos, nunca se chegou a perceber poiso firme - tal a alternância entre o rock (pequeno e grande, lento e rápido) e o cabaret, o mantra sombrio e a áspera crítica panfletária, o kitsch e a elegância. O que é o mesmo que dizer que a iconoclastia dos La Chanson Noire era um dos mais desafiantes conceitos anti-estilos da música nacional. Depois, a escrita desabrida (em português ou inglês) e sem tabus chocava sistematicamente com convenções, instituições e símbolos, expondo-se ao escrutínio pouco complacente dos melómanos cá do burgo, amestrados pelo conformismo e nada benévolos perante títulos tão sugestivos como "Ode a Satã", "Pura Merda" ou "Bordel de Lúcifer". Depois de dois EPs (incluídos no alinhamento) e dois compactos (Música para os Mortos, 2010, e Cabaret Portugal, 2012), chega este Macumba Stereo, requiem compilatório de algumas faixas emblemáticas do grupo (com roupagem nova) e outras que ficaram por editar e nasceram nos primórdios do projecto. O documento não é um best of e é necessariamente menos coeso do que um álbum de corpo inteiro, mas acaba por servir o propósito de apresentar a teatralidade poética dos La Chanson Noire a quem (ainda) não conhece.
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