segunda-feira, 4 de novembro de 2013

M.I.A. - Matangi


7,6/10
Interscope, 2013

Golpe de marketing ou não, correu o rumor de que os recorrentes adiamentos no lançamento do mais recente trabalho de M.I.A. se prendiam com discordâncias conceptuais entre a britânica e a Interscope. Ao que parece, a editora americana manteve-se renitente, durante cerca de um ano e até ao último minuto, em dar cobertura a um disco de pendor "demasiado positivo". A cantora manifestou publicamente o seu descontentamento em diversas ocasiões, expondo-se ela própria à pressão pública sobre a Interscope e ameaçando vir a optar, em momento futuros, por outras formas de distribuição da sua música. Deixando de lado essas considerações de lana caprina, o disco está aí e nunca seria acontecimento despercebido, ou não fosse M.I.A. um ícone ímpar no universo musical, seja pela frescura com que conseguiu sobrepôr a sua linguagem inovadora ao conformismo pop, seja por se assumir abertamente como alguém com gosto pela polémica panfletária que, mesmo com alguma dose de fantasia de permeio, não tem medo de afrontar poderes instituídos, tenham a forma que tiverem. De resto, esse espírito militante, umas vezes mais cáustico do que noutras, é um dos conteúdos que marca a sua música desde as primeiras manifestações e que não podia deixar de estar presente neste Matangi, quarto compacto de estúdio.

Este é também um documento desregrado como outros de M.I.A., com um tal sentido de mestiçagem estética que torna quase impossível situar referências sem que elas se confundam entre si, fora e na obra da inglesa. Deve dizer-se que a voz e a percussão continuam a ser o núcleo energético das composições; ao par, junta-se depois uma implosiva carga de interferências e ritmos. Em ambos os aportes, sente-se a óbvia actualização da contemporaneidade e, mais do que isso, um cunho ecléctico que toca pólos tão distantes quanto a pop amistosa e a electrónica de absorção lenta. Pelo meio, há passagens camufladas pela Índia, há insinuações incontornáveis aos patrimónios mutantes do hip hop - cultura sempre presente - e escalas rítmicas por outras tendências em voga (até o kuduro aqui aparece). Um verdadeiro caleidoscópio, a resgatar os momentos mais inspirados de M.I.A., depois do auto-admitido flop criativo que foi Maya, há três anos. Matangi é um trabalho de colagens tão pejado de tensão que chega a tornar-se desgastante, sobretudo se ouvido de um trago só. Não esqueçamos que, além da querela com a Interscope, M.I.A. enfrentou recentemente uma dura batalha judicial pela custódia do filho e está a braços com a intimição da NFL por gestos impróprios durante a actuação no Superbowl. Mas como se percebe neste Matangi, a adversidade serve-lhe de inspiração. Em alguns momentos da incontinente guerra tribal de ritmos e estéticas que é o disco, há alguma da melhor música que M.I.A. nos deu, sem dúvida, mas só no dia em que ela domar as convulsivas energias que lhe habitam a verve é que nascerá a obra-prima que se vai adivinhando na sua mente.  

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