Já lá vão mais de oito anos desde que o soberbo documento de contrastes humanos que é Magnolia somou ao intimismo e despojo da música de Aimee Mann um valiosíssimo complemento cénico. Mais do que meramente oferecer às canções da americana o protagonismo de levarem o filme pela mão, embalando-o no equivalente musical da triste redenção das personagens da narrativa, Paul Thomas Anderson soube inteligentemente encontrar enlaces emocionais certeiros entre história filmada e canção, sem se perceberem hierarquias de causa e efeito. Assim aconteceu a Aimee Mann, depois de um quarteto de álbuns nos discretos 'Til Tuesday, o raro privilégio de afirmar-se, não só pela singeleza da música, mas sobretudo pela fortíssima impressão de ver as canções projectadas na tela e, assim, assumirem-se como metáfora com dimensão "física" e realismo. São, aliás, o realismo, o espírito crítico e o resvalo do bicho humano para os abismos da emoção as substâncias que inspiram a sagacidade de Aimee Mann, como volta a acontecer neste @#%&*! Smilers, o séptimo capítulo do percurso individual.
Abandonadas as equívocas premissas conceptuais do antecessor The Forgotten Arm (se deixarmos de lado o disco de Natal que foi One More Drifter in the Snow), o novo álbum não monopoliza o espaço narrativo do disco num enredo único, antes se subdivide - como de resto aconteceu nos melhores momentos da carreira de Mann - em lacónicos retratos das frestas do espírito humano, como nos amores descrentes de "Phoenix", no desalento de "Freeway", nos lamentos "trintões" de "31 Today", nas confissões de "Medicine Wheel" e nas onerosas despedidas de "It's Over". É precisamente aí, nos motins da emoção, que Aimee Mann tão bem passa à forma de música, que as canções de @#%&*! Smilers herdam com mais propriedade a tangibilidade da banda sonora de Magnolia. Em rigor, embora merecendo pontualmente uma produção mais expansiva e com detalhes mais rebuscados do que as que musicaram o filme, estas canções convocam o mesmo imaginário e juntam-se para o momento mais inspirado de Aimee Mann desde Bachelor N.º 2. E isso são boas notícias, mesmo que alguns trechos puxem o registo para baixo, ao acusarem subliminarmente o estafamento de uma fórmula que Aimee Mann vem tentando regenerar a cada capítulo.
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