Depois da prometedora estreia com Canções Subterrâneas (2004), o segundo andamento d' A Naifa investe em lema semelhante, o que é o mesmo que dizer que Luís Varatojo (guitarra portuguesa), João Aguardela (baixo) e Mitó Mendes (voz) prosseguem no ousada expediente de propôr indumentárias alternativas para a mais tradicional das formas de expressão musical lusas: o fado. Para os mais puristas, a sugestão atípica chegará a ser iconoclasta, no sentido de mesclar abertamente os acordes imaculados da guitarra portuguesa com elementos electrónicos que lhe colam um rótulo de modernidade. Para ouvidos adestrados, o segundo tomo deste talentoso projecto nacional é mais uma amostra com apetite reformista, mais solta e madura que o primeiro ensaio, também mais confiante. A voz de Mitó parece ter sido talhada à justa para a lida destas canções (e destes poemas), sempre aveludada e mais elástica e precisa do que em Canções Subterrâneas. Varatojo é mais cirúrgico e completo e pontua a orgânica das melodias; depois, a marcação do baixo eléctrico de Aguardela, secundado pela bateria do versátil Paulo Martins (Ramp), dão um embalo invulgar às canções. Nunca o fado se vestiu assim.
Da escola tradicional do fado, das alusões ao simbolismo da gasta e tacanha "casa portuguesa", das senhorinhas de xaile, do tempo dos crochés de rendas em cima do televisor e da camilha da sala, das memórias de Amália ou Paredes, resta aqui apenas uma vénia. Sem pretensões ou tabus, A Naifa não é já fado, é uma coisa maior (ou mais pequena, que importa?), é guitarra portuguesa pouco convencional, é voz de fadista, é amanhã. Um futuro já ensaiado nas malhas do primeiro álbum e retomado agora. E o fado, por mais brasonado que seja, caminha nas mesmas urbes dos outros géneros e não tem que se acanhar por casar pontualmente com a electrónica ou com o metrónomo de um baixo eléctrico. O resto é atmosfera. Misturar o baralho do fado e voltar a dar. Fado ou pop, mais ou menos óbvio, A Naifa é profundamente portuguesa. 3 Minutos Antes da Maré Encher sacode a dialéctica do fado e, só por isso, atrai alguma controvérsia. Mas um álbum assim tanto deliciosamente venturoso e criativo merece o mesmo lar da mais fina tradição musical nacional. Uma casa portuguesa, com certeza.
4 comentários:
Também não desgostei dos Donna Maria, embora ache que lhes falta um pouco da maturidade criativa dos A Naifa. Mas é, obviamente, uma questão de gosto.
Eu muito sinceramente detesto Donna Maria..já d'A Naifa não achei muita piada ao 1º, mas o novo disco está bem melhor, tem ali canções bem boas, como a «Señoritas».
Bem, nem é um comentário sobre o tema, na verdade é para parabenizá-los por um espaço tão agradável, de tanta qualidade. Não deixarei de espiá-lo todos os dias.
Abraços, Denis - Brasil
Obrigado pelos elogios.
Bem-vindo, Denis.
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