sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

Keith Fullerton Whitman - Multiples

Apreciação final: 8/10
Edição: Kranky, Maio 2005
Género: Electrónica Vanguardista
Sítio Oficial: www.keithfullertonwhitman.com








A música vanguardista é multiforme e não se regula por normas temporais. Num despique destemido com a inevitabilidade do tempo, faz-se protagonista de palcos futuristas, com cenários incertos e adornos dos mais alucinantes pigmentos. Assim é também a proposta de Keith Fullerton Whitman. O conceito é electrónico, na raíz da pura combinação de sons sintéticos improvisadamente mecanizados, numa dinâmica que integra elementos minimalistas. Whitman é, ele mesmo, um minimalista e um desintegrador; as suas composições são ensaios tão credíveis, da melhor música gerada artificialmente, que parecem ser fruto da inteligência artificial de uma máquina. Os tons são frios e, abreviando-se à sua interioridade essencial, encenam peças musicais perturbantes. São-no porque repisam incessantemente os mesmos aforismos. E dessas aliterações, no fundo a força motriz das melodias, despontam uma liga coesa de elementos sónicos (o piano e a guitarra encaixam nos ingredientes electrónicos) e um manancial de estímulos sensoriais. Como no rondó de uma sinfonia. Talvez seja isso que Whitman nos dá em Multiples, uma espécie de tentáculo subconsciente e menos convencional da música clássica, em que os instantes de modernidade se confundem com os esboços de uma atmosfera classicista. O traço é melancólico, mesmo abrasivo, mas atribui-se uma dimensão maximizadora do dramatismo teatral e do compromisso emocional.

A vocação mítica de Multiples (e o empenho etimológico de Whtiman) é reforçada pelo recurso a artefactos analógicos, instrumentos que remontam às primícias da música electrónica e que fornecem o músculo e a alma mais oportunos ao vanguardismo nostálgico que Whitman ensaia neste álbum. Há algo de quintessencial neste fascículo da mais pura doutrina musical; há uma aposição dos parâmetros da electrónica, também uma revisão do seu perímetro, num verdadeiro exercício de antropologia musical. Como se isso não fosse o bastante, algures nas alamedas misteriosas da universalidade deste documento, está um compositor de elite, capaz de urdir melodias ressonantes, cheias de elasticidade e com um halo de intemporalidade. Relembrando meados dos anos 70, época em que a electrónica era prerrogativa reservada a músicos de formação ilustre que dominassem a tecnologia, o último opus de Whitman é, em simultâneo, uma edição académica vintage, um disco apaixonado e experimental e um abrigo sem trivialidades. Multiples é um recurso imperdível para ouvidos treinados e amantes do refrescante arrojo da diferença.