quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

Broadcast - Tender Buttons

Apreciação final: 8/10
Edição: Warp, Setembro 2005
Género: Pós-Rock/Experimental
Sítio Oficial: www.broadcast.uk.net








Não se deve despertar um sonâmbulo. Assim dispõe a sabedoria popular, não em defesa do sono mas do indivíduo que, entregue à dormência, decide caminhar, falar e dar-se às demais coisas que faria se estivera acordado. E se repentinamente um disco nos fizesse assim sonâmbulos, ou fosse ele mesmo uma obra sonâmbula, pousando-nos no sonho fascinante de uma pop fora de moda e induzindo-nos, em simultâneo, os gestos e vocábulos de uma linguagem artificial avant-gard? Deste jeito nos toma as rédeas o mais recente álbum dos britânicos Broadcast. As convenções pós-rock a que se propõem Trish Keenan e James Cargill reduzem-se a uma matéria essencial: esta música não é feita para parecer bem, nem para encaixar em moldes pomposos. Ela soa, na sua íntima substância, a qualquer coisa de fresco e moderno, mesmo que repetidas vezes se fique num minimalismo esqueletal ou até se extravie nos seus próprios enigmas. Tender Buttons é um daqueles discos simples que nos reconciliam com a electrónica espacial quase desintegrada e o mistério de uma voz hipnótica e álgida, uma espécie de Françoise Hardy sob o efeito tóxico de cogumelos. E essa voz esotérica faz-se instrumento, desenhando mímicas que robustecem as fantasias psicadélicas das composições.

Tender Buttons projecta estradas alternativas para um destino ousado: antecipar a fórmula química da pop de amanhã. Os dotes dos britânicos para a adivinhação podem ser contestados mas este futuro de sentido único está aí, ao virar da esquina; basta aceitar o feitiço de sons manipulados de Tender Buttons, perceber-lhe o convincente frasismo melódico e render-se à evidência. Com o carinhoso embalo deste disco, o pior que há-de suceder é que nos adormeça o sistema nervoso e, quando dermos por nós, estarmos caminhando durante o sono, de braços em riste, em demanda de coisa nenhuma. Falemos baixinho, não é bom acordar-se o sonâmbulo.

Sem comentários: