Poucos serão aqueles que não reconhecem na figura de Mark Eitzel uma das mais peremptórias âncoras do universo indie americano. Por inerência, os American Music Club, colectivo que lidera há cerca de vintena e meia de anos (com um hiato sabático de uma década pelo meio), merecem ser reconhecidos na exacta medida em que a sua música desbravou consciências, mesclando num jeito único os arquétipos da folk americana e a complexidade intimista de um compositor muito cuidadoso na hora de reflectir sobre cenários pessoais e circunstâncias sociais à sua volta. O produto musical dos AMC tornou-se, assim, não apenas um harmónico cancioneiro das várias dimensões e descendências da música americana (de cariz essencialmente acústico e cadência pausada), como também uma obra recheada, em partes iguais, de letras de introspecção e de consciência político-social, quase sempre pautadas por um romantismo negro e pureza sentimental. Neste segunda manifestação depois do "regresso" (Love Songs For Patriots, de 2004, interrompera o tal interregno de dez anos), os AMC não desiludem e reafirmam a validade de uma linguagem musical singular, gentil e delicada, na primeira impressão, mas com um substrato de espírito observador desinquieto a revelar-se gradualmente. The Golden Age é, portanto, um disco que faz uso das melancolias de Eitzel, aqui e ali ousando escapar-se do conforto de um discurso cimentado ao longo de anos, mas sem um rasgo decisivo de novidade. O que, no caso dos AMC, não é necessariamente negativo, ou não estivéssemos perante um dos ensembles americanos de maior eloquência artística e com um discurso suficientemente emancipado para ter fôlego próprio e méritos peculiares. E para valer, em si mesmo, um muito competente desempenho na composição.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
American Music Club - The Golden Age
Poucos serão aqueles que não reconhecem na figura de Mark Eitzel uma das mais peremptórias âncoras do universo indie americano. Por inerência, os American Music Club, colectivo que lidera há cerca de vintena e meia de anos (com um hiato sabático de uma década pelo meio), merecem ser reconhecidos na exacta medida em que a sua música desbravou consciências, mesclando num jeito único os arquétipos da folk americana e a complexidade intimista de um compositor muito cuidadoso na hora de reflectir sobre cenários pessoais e circunstâncias sociais à sua volta. O produto musical dos AMC tornou-se, assim, não apenas um harmónico cancioneiro das várias dimensões e descendências da música americana (de cariz essencialmente acústico e cadência pausada), como também uma obra recheada, em partes iguais, de letras de introspecção e de consciência político-social, quase sempre pautadas por um romantismo negro e pureza sentimental. Neste segunda manifestação depois do "regresso" (Love Songs For Patriots, de 2004, interrompera o tal interregno de dez anos), os AMC não desiludem e reafirmam a validade de uma linguagem musical singular, gentil e delicada, na primeira impressão, mas com um substrato de espírito observador desinquieto a revelar-se gradualmente. The Golden Age é, portanto, um disco que faz uso das melancolias de Eitzel, aqui e ali ousando escapar-se do conforto de um discurso cimentado ao longo de anos, mas sem um rasgo decisivo de novidade. O que, no caso dos AMC, não é necessariamente negativo, ou não estivéssemos perante um dos ensembles americanos de maior eloquência artística e com um discurso suficientemente emancipado para ter fôlego próprio e méritos peculiares. E para valer, em si mesmo, um muito competente desempenho na composição.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Alinhar pelo presente...
Com chegada prevista para o final de Março, o novo (e sexto) disco dos britânicos Supergrass marca o regresso do quarteto, agora alinhado com as descendências mais recentes do rock do Reino Unido. "Diamond Hoo Ha Man", primeiro avanço do álbum homónimo, está aí para demonstrar o distanciamento da banda face às suas raízes pop-punk (quem não se lembra da celebérrima "Alright", de 1995?), rumo a um discurso rock 'n' roll mais directo e imediato, também mais cru mas, como bem confirma esta canção, não menos entusiasmante. Com ou sem cedências fruto da contemporaneidade e da necessidade de não cair no esquecimento...
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
E a Europa ali tão perto...
Marion Cotillard, imprevisto emblema da entrega dos Óscares, esta madrugada, foi a surpreendente (e surpreendida) distinguida na categoria de representação feminina, figurando ao lado do mais que previsto Daniel Day-Lewis (arrecadou a terceira estatueta da sua carreira) e dos irmãos Coen - levaram para casa os prémios mais cobiçados: Melhor Filme e Realização (Este País Não é Para Velhos). Nos desempenhos de suporte, Javier Bardem e Tilda Swinton confirmaram uma regra curiosa: as categorias de representação distinguiram exclusivamente actores europeus. Irónicos sinais dos tempos, numa indústria cinematográfica de grande escala que, independentemente da presença plutocrática dos mastodônticos estúdios de Hollywood e suas estruturas tentaculares na sétima arte, não deixa de desvendar um espaço mediático cada vez maior para actores não americanos.
A lista completa de vencedores pode ser consultada aqui.
A lista completa de vencedores pode ser consultada aqui.
Goldfrapp - Seventh Tree
Depois de uma trindade de registos vocacionados essencialmente para perscrutar as potencialidades hedonistas da electrónica de grande consumo, Alison Goldfrapp ter-se-á cansado do quotidiano de estrela generalizadamente consagrada nesse orbe. Não se deve estranhar, portanto, que Seventh Tree seja uma espécie de volte-face e prescinda de parte significativa do cardápio costumeiro, pondo de lado a efusão sintética de outros discos, as camadas sobrepostas de sintetizadores, os efeitos vocais ou as guitarras angulares. No lugar dessa panóplia "artificial", as composições reservam, agora, espaço para um compromisso de estruturas acústicas, voz maioritariamente livre de maquilhagem e uma inesperada sensibilidade (e desafectação) pop. Nesse aspecto, as canções desvendam um curioso jogo de introspecções mais pessoais, ao sublinharem intimismo e densidade ambiental, no mesmo jeito do distante Felt Mountain, de 2000. Não obstante essa aproximação ao melhor passado de Goldfrapp e a consequente viragem acústica, Seventh Tree não chega a privar-se em absoluto das valências dos sintetizadores, acabando por usá-los como pontual escapatória de emergência, essencialmente no preenchimento dos ambientes acústicos. E é nessa irresolução, no estranho limbo entre o dançante urbano e a folk quase pastoral do início de percurso (aqui apenas reminiscente...), que se perde Seventh Tree. A despeito de um ou outro momento de maior assombro (a minimalista "Clowns" é paradigma) - a provar a validade segura da aliança Alison Goldfrapp/Will Gregory - o disco fica refém das suas próprias premissas, divagando medianamente entre uma proposta de pop surrealista e de abstracção (que imporia uma escrita com outro apuro) e a reciclagem cheia de impurezas dos vícios dançantes dos últimos registos. E acaba por não ser nem uma coisa nem outra.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Dengue Fever - Venus on Earth
Se há colectivo musical que reflecte directamente os efeitos da miscigenação cultural a que pomposamente se atribui o substantivo chavão da globalização, ele está nos californianos Dengue Fever. Alegadamente formados depois de uma avulsa expedição do teclista Ethan Holtzman ao Cambodja, onde descobriu o rock sessentista local - então desvendando improváveis afinidades com a estética do rock psicadélico "clássico" (a presença notória do órgão e das guitarras distorcidas) e pontos de contacto com o imaginário do cinema indiano - os Dengue Fever começaram por ser um espaço de veneração desses sons. Com uma formação inicial que, além de Ethan contava com o irmão Zac Holtzman (voz/guitarra), o saxofonista David Ralicke, o baterista Paul Smith e o baixista Senon Williams (dos Radar Bros.), os Dengue Fever começaram por ser uma banda de versões, usando material do legado cambodjiano trazido para os E.U.A. por Ethan. Não tardou até que o quinteto sentisse o impulso de escrever originais; a revelação de Chhom Nimol, cantora emigrante em Los Angeles e descendente de uma família artisticamente célebre no Cambodja, trouxe à música dos Dengue Fever o carisma procurado: verbalizações em língua khmer.
Com um discreto debute essencialmente feito de versões e um segundo álbum a emancipar a escrita própria, o sexteto aprimora fórmulas no terceiro capítulo. Venus on Earth vai um pouco mais além na mescla entre o exotismo importado da Indochina e coordenadas diversas das brass bands (tão caras ao universo asiático) e, sobretudo, do rock nostálgico. Nesse particular, é curiosa (e muito apropriada, diga-se) a menção, no MySpace dos Dengue Fever, aos Mutantes como influência primária. Há, de facto, qualquer coisa neste colectivo da bizarria progressiva e da verve sulcadora de consciências que os brasileiros tiveram no final da década de sessenta. O único senão é que, a despeito de a banda se revelar mais "solta" aqui do que em tomos anteriores, parecem sair esbanjadas algumas boas ideias desse desembaraço. E isso quer dizer que, salvo um punhado de excepções ("Seeing Hands", "Laugh Track" e "Mr. Orange"), Venus on Earth fica aquém da diversidade que os Dengue Fever prometem.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Nova Balla em Março
No final do próximo mês, chegará às lojas Resumo, nova compilação da Chiado Records e SonyBMG dos principais êxitos do projecto Balla, de Armando Teixeira. A colecção cobrirá os três álbuns do autor sob esse epíteto e vem apresentada pelo novo single "Tudo (Em Queda Livre)". A canção está disponível para escuta no sítio oficial da editora. Basta clicar aqui.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
Novos sons de Brooklyn
Embora tenha sido lançado no mercado americano já no final do ano transacto, o álbum de estreia dos nova-iorquinos MGMT tem chegada à Europa prevista para Março. Eles são o novo dueto-sensação da hiper-activa Brooklyn e "Time to Pretend", primeiro avanço do disco, faz alarde uma electro-pop esdrúxula e subliminarmente psicadélica, cheia de cores, com um punhado de referências nostálgicas e com um entendimento melódico verdadeiramente enleante. Coisa para fazer lembrar o que de melhor brotou da fonte Flaming Lips. Nem de propósito: Dave Fridmann, alquimista habitual do som dos FL, produz Andrew Vanwyngarden e Ben Goldwasser neste debute. Deguste-se, pois então.
Em actuação no David Letterman Show:
Para ver o vídeo oficial da canção em alta resolução, clique aqui
domingo, 17 de fevereiro de 2008
Earth - The Bees Made Honey in the Lion's Skull
Dylan Carlson é uma daquelas personagens do mundo musical a que o tempo não fez justiça. Saído do ventre da mesma Seattle que produziu o movimento grunge e deu voz a uma geração de rebeldes descrentes, amigo próximo do malogrado guru e ícone espiritual dessa corrente (Kurt Cobain), Carlson conservou-se placidamente debaixo dos radares do fulgor mediático, embora tenha sido um dos pioneiros mais relevantes da estética drone, logo no começo da década de noventa. Com Matthew "Slim" Moon (fundador dos selos Kill Rock Stars e do entretanto extinto 5 Rue Christine) e Greg Barbior, Carlson criou discretamente os Earth, então subscrevendo um conceito minimalista e especulativo de pegar no rock dos Melvins e, denotando afinidades com as órbitas noise (guitarras afinadas em tons graves, distorções hiperbólicas e acordes prolongados) e com uma certa amorfia e abstracção nas estruturas, inventar-lhe uma feição críptica e cheia de sombras. Não é à toa que os Earth são citados como a luminária decisiva de gente "negra" como Stephen O'Malley (Khanate, Sunn O))), KTL, Lotus Eaters, Ginnungagap), Al Cisneros (Sleep, Om) ou Boris que, hoje por hoje, são os emblemas do drone contemporâneo. Contudo, quem escuta este The Bees Made Honey in the Lion's Skull percebe que Carlson não é um estacionário; se o antecessor, Hex: Or Printing in the Infernal Method (2005), o primeiro título pela Southern Lord, depois de um hiato sabático de alguns anos dos Earth, desvendara uma espécie de ressurreição de Carlson, pela ousadia a desbaratar a habitual impermeabilidade do drone e, assim, permitir saudáveis (e equilibradas) contaminações de arenosa espiritualidade western, quase country-depressivas. Tratava-se, na substância, de um disco de reforçada espiritualidade, já não erguida apenas da redundância de distorções ásperas e lúgubres, mas essencialmente da oportunidade melódica que surgiu do abaixamento de volumes, subida de tons e outro detalhismo na composição.
São também essas as premissas de The Bees Made Honey in the Lion's Skull, um trabalho bem distante das órbitas conceptuais de início de carreira e ilustrativo da sublimação de fórmulas da segunda pele dos Earth (e de Carlson). Os trechos pouco guardam do drone e, sem perderem vigor anestésico (no acepção hipnótica da expressão), apelam ao tal imaginário western, ainda que entrecortado por ambientes de espiritualidade escura. As instrumentações, a despeito de alguns lances mais repetitivos (afinal, essa é uma das deformações próprias de alguém com raízes no drone), são de escol. E, no final, fica a sensação de que este é o melhor álbum da segunda vida dos Earth.
sábado, 16 de fevereiro de 2008
DJ Dolores - 1 Real
Quase três anos decorreram desde que Aparelhagem deu ao sergipano Hélder Aragão (aka DJ Dolores) visibilidade internacional, além das fronteiras do Brasil. Esse trabalho desvendava uma curiosíssima mescla de variáveis tradicionais da música do Recife - sobretudo os embalos contagiantes do maracatu (ele próprio um produto híbrido das culturas afro-indígenas) - com elementos de síntese e as programações, breakbeats e samples. A mistura é recuperada neste 1 Real (não nos deixemos enganar pelo título aparentemente prosaico), um disco povoado por ambientes festivos, genuinamente dançantes e muito bem arrumados. Há lugar para um certo tribalismo com sabores de África ou da Jamaica (o reggae-dub é luminária repetida), para a sedução latina e para métricas da embolada, do afoxé, do carimbó e do caboclinho guerreiro, também para toadas de funk e rock maquilhados, violinos (belos arranjos!) e guitarras, baixos trance, pandeiros e batuques, acordeões, metais, ocarinas, ferrinhos... Ao lado desses ingredientes imprescindíveis a qualquer festa ou charanga do Nordeste, desfila um manifesto de modernidade, tanto no recurso a samples e composições de várias órbitas estéticas (são exemplo a vénia à chanson française - com a voz de Marion Del'eite - em "Shakespeare" ou o protótipo tango-dub de "Números"), como nas magníficas construções rítmicas que são o garante de coesão e harmonia do disco. 1 Real resgata a voz de Isaar (já tinha colaborado com Aragão no álbum anterior) e junta-lhe Hugh Cornwell (dos Stranglers) e os conterrâneos nordestinos Silvério Pessoa, Mónica Feijó, Cláudia Beija e Tiné, vocalista da Academia da Berlinda. Tudo junto, o registo torna-se um belíssimo exercício de exportação da cultura nordestina - Aragão está habituado a maiores encómios além-fronteiras do que "em casa" - e, mais do que isso, soma virtudes às do antecessor, confirmando DJ Dolores como um dos ícones mais sólidos da música brasileira consumida no resto do planeta.
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terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
If Lucy Fell - Zebra Dance
Depois de se terem apresentado ao universo musical com um muito competente - e generalizadamente bem acolhido - álbum de estreia (You Make Me Nervous, de 2005), então desvendando um rock tenso e musculado, pautado por um certo nervo experimentalista e, sobretudo, por uma identidade quase artesanal na hora de domar energias e dispô-las em "canções" corrosivas e esquizofrénicas, os lisbonenses If Lucy Fell chegam ao crítico (e sempre empolado) momento do segundo disco. A matriz técnica de Zebra Dance não difere substancialmente do antecessor, todavia percebe-se uma amplitude maior das composições, mormente na forma como crescem além do metalcore - afinal, é aí que moram as fundações da banda e o começo do percurso artístico dos seus integrantes - e definem uma linguagem mais refinada. E isso, neste caso, pode ser sinónimo de cadências aqui e ali menos ofegantes, de uma melhor estruturação dos enlaces instrumentais, de um desempenho vocal mais firme e, inclusivamente, de composições menos previsíveis e com pausas para descanso. Nesse particular, Zebra Dance acaba por criar a ilusão de ser um disco menos duro mas, ao invés disso, sob essa fantasia de aparente abrandamento, descobre-se música tão pujante e visceral quanto antes. A diferença está na "massa", decididamente menos difusa (a adição das teclas de "Shela" Pereira, dos Riding Panico não é fenómeno estranho a isso), com tiques mais próximos de outras órbitas, como sejam alguns breves ensaios progressivos e, mais evidentes ainda, outros números contaminados por afinidades (bem disfarçadas atrás da extática farra de electricidade e distorção) com o laconismo técnico dos cânones math.
Em qualquer um desses revestimentos, sobressai o ímpeto contestatário e a excitante inflamação da música dos If Lucy Fell e, sobretudo, a verve cada vez mais pulsante do grupo, bem ao jeito de um turbilhão de ideias suficientemente rico para poder atrever-se a mutações de estilo - e, também às oportuníssimas interferências de Joaquim Albergaria (a voz dos Vicious Five faz uma perninha em "La Decadence") e dos Dead Combo (na sublime coda do álbum, a críptica "She Dies") - sem perder o quinhão mais importante da sua identidade. E se, no mundo animal, a dança das zebras não é mais do que um atávico ardil para enganar olhos predadores, a Zebra Dance destes intrépidos lisboetas está aí para despir camuflagens humanas. Somos todos presas e predadores. Mas ao ouvir os If Lucy Fell e o seu imparável banzé, hoje por hoje uma das mais entusiasmantes manifestações musicais da Lusitânia, não é difícil sentir-se um apelo voraz e primário pela caçada. Por mais que a zebra dance para confundir...
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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Sascha Funke - Mango
Depois de um álbum de estreia que o apresentou discretamente à cena electrónica berlinense (Bravo, de 2003), Sascha Funke viu crescer o seu reconhecimento artístico à custa de intensa actividade em remisturas e inúmeras edições avulsas em formato 12''. Tendo, portanto, granjeado elogios mais ou menos generalizados da crítica especializada, mormente pela sua natural apetência para conjugar o lado mais técnico e estruturado da techno minimalista com talhes de fino recorte ambiental/pop, não é estranho que se tenha erguido uma exigente vaga de expectativas em torno do segundo tomo. Se o debute anunciara vincado equilíbrio entre a frieza das cadências rítmicas - repetitivas, como convém ao género - e uma curiosa noção de melodias e ambientes mais emocionais (nesse particular, o recurso ao sintetizador como indutor de melancolias "suspensas" marcou pontos), o sucessor sublinha fórmulas e redesenha a profundidade das atmosferas. Mango é, sobretudo, um exercício de continuidade face ao antecessor e, nesse sentido, encerra poucas novidades identitárias. Estão cá o mesmo minimalismo rítmico, os mesmos coloridos do sintetizador e das programações e um sentido de work-in-progress - uma intencional e genuína incompletude - que, se é comum às várias descendências da escola berlinense e fez escola, no caso de Mango chega a confundir-se com menor arrumo e precisão nos arranjos, em manifesto prejuízo da coesão do álbum. Ainda assim, o segundo longa-duração de Sascha Funke tem alguns motivos de interesse ("Mango", "Double Checked" e "Chemin des Figons" fazem a tríade de eleição) e que comprovam os méritos do músico como um dos intérpretes mais relevantes da electrónica europeia contemporânea.
domingo, 10 de fevereiro de 2008
Novembro - À Deriva
O primeiro disco dos Novembro confirma as premissas que se conheciam da música do quarteto lisboeta, mormente desde a magnífica antecipação que foi "Solidão a Dois", assombrado cartão de visita do álbum que agora nos chega. O manancial inspirador do colectivo tem raízes no tradicionalismo e na cultura popular da música nacional, no fado da guitarra portuguesa, nas derivações esdrúxulas de um António Variações ou da Sétima Legião (aparentemente a referência estética mais notada) e, em simultâneo, em sabores de genuína contemporaneidade, como as programações e uma produção manifestamente actual. Trata-se, sobretudo, de um belíssimo casamento entre alentos artísticos modernizadores de um legado de que Miguel Filipe (o "líder" conceptual do projecto) gosta e a vénia indispensável a essa afeição. Por isso, À Deriva não tem pejo de combinar - e fá-lo sempre com um sentido de coesão bastante significativo - o choro da guitarra portuguesa e a urbanidade depressiva da eléctrica (ouça-se o excelente exemplo de "Plenitude") ou uma secção rítmica com qualquer coisa de costume folclórico e discretos sons de síntese. A mescla resulta quase sempre hipnótica e envolvente e, em complemento do substrato musical algo místico, vem apoiada em letras pontuadas por um imaginário densamente poético. No final, embora ressalte a sensação de que o álbum sairia beneficiado com um alinhamento mais curto, sobram argumentos para considerar os Novembro um dos candidatos mais sólidos a revelação do ano na música lusa. E À Deriva, na linha do que, por exemplo, vêm fazendo os A Naifa, é produto de uma geração de novos músicos preparados para coser um futuro com linhas de ontem. E, mesmo com algumas cisões, isso não se faz sem nostalgia.
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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
Dead Meadow - Old Growth
Embora esteja em actividade há mais de uma década e, inclusivamente, tenha figurado numa das famosas sessões do saudoso radialista John Peel, o trio americano Dead Meadow mantém-se um dos segredos mais bem guardados do stoner rock psicadélico. É verdade que esse género não é muito dado a grandes feitos mediáticos ou a públicos de grande escala e, em virtude disso, talvez se perceba como ainda tão pouca gente reparou neles, sendo este o quinto registo de uma discografia de surpreendente consistência, ora a piscar o olho aos cânones labirínticos e místicos do rock psicadélico dos 70's, ora a buscar ímpetos e desejos melódicos em referências mais actuais. Ao escutar a argúcia deste Old Growth - e, nele, desvendar todas as premissas da essência dos Dead Meadow - menos sentido faz o quase anonimato de Jason Simon e seus pares. As composições revelam um equilíbrio intocável entre construções melódicas e afinidades com o rock progressivo (os crescendos instrumentais são substância recorrente), entre fraseados vocais e instrumentais, entre a primazia da guitarra e a escora firme da percussão. Depois, não há nos Dead Meadow o despropositado sentido de urgência do stoner tradicional; eles descolam-se desse paradigma conceptual e preferem construir visando o detalhe, a contemplação, a auto-consciência do cultivo de uma certa fidalguia rock e, sobretudo, a noção de que a técnica não deve ser obstáculo à simplicidade estrutural das composições. E é essa a virtude maior de Old Growth, mostrar-nos música visceralmente simples, genuína na circunspecção e melancolia (nisso importa ânimos dos blues) mas, ainda assim, pejada de deliciosas minudências técnicas, servidas entre camadas de distorção ritmicamente estruturadas e doses infalíveis de solos. O instinto e a técnica a par, portanto, assim nos números musculados como nos momentos de maior placidez acústica. Um disco e uma banda dignos de francos encómios e que, em razão da sua completude, coerência e atributos, merecem ser resgatados dos baús do esquecimento e trazidos ao conhecimento da imensa legião de prosélitos do rock enquanto produto musical evoluído e sem espartilhos formais.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
Bob Mould - District Line
O nova-iorquino Bob Mould fez nome como frontman dos Hüsker Dü, seminal colectivo do pós-punk americano da década de oitenta e, desde a dissolução do projecto, esteve ainda envolvido nas fundações dos Sugar (entretanto extintos) e em edições regulares em nome próprio. Esse percurso individual conheceu três fases: uma primeira, de natural e vigorosa descendência rock dos Hüsker Dü, a que se seguiram, numa segunda etapa, breves incursões pela música experimental e electrónica (o álbum Modulate, de 2002 é o paradigma dessa mudança), para, num terceiro acto, se registar o reencontro com a persona dominante do seu conceito musical, o rocker pensativo e eléctrico. Depois de Body of Song, de há três anos, ter recuperado esses confortos antigos, District Line é a continuidade lógica de um processo que, trazendo o músico/compositor ao seu habitat ingénito, acaba também por expô-lo ao risco de conformismo e previsibilidade. E é, de resto, essa a mácula do novo opus, um registo competente - como outros na discografia de Mould - mas sem grandes rasgos de renovação de princípios criativos. Ao invés disso, o alinhamento do álbum resvala, aqui e ali, para os terrenos deslizantes do mainstream e segue previsível, e muitas vezes confrangedor, como uma ociosa manobra em piloto automático. E isso são coisas pouco conformes com o seu passado icónico. Mas não deixa de ser curioso escutar Mould na máscara disco de "Shelter Me".
Hot Chip - Made in the Dark
Tendo-se tornado um dos mais bem sucedidos exemplos de projecto musical que transborda as funções de produção/remistura e se torna um conceito musical emancipado e com identidade própria, o quinteto londrino Hot Chip evoluiu paulatinamente de uma fórmula musical com raízes na face mais esdrúxula da electrónica (esse substrato persiste na música que assinam hoje) para qualquer coisa que, à falta de melhor definição, se pode descrever como uma visão curiosa da electro-pop. Nesse particular, o colectivo inglês marcou pontos com o segundo álbum The Warning, chegado às lojas em 2006, então desvendando uma muito interessante gestão das bizarrias electrónicas de início de percurso, em prol de uma escrita escorreita, amiga do ouvido, de traço bem definido e claramente apostada na aprovação pela culture club. "Ready For the Floor", single de antecipação do novo disco, já dera mostras desse firme propósito, anunciando uma vivacidade pop que, todavia, pouca correspondência encontra nas demais composições do alinhamento. Pena que essa contagiante identidade acabe por se diluir na aparente sumptuosidade sonora do disco; de facto, atrás da cosmética e das mais ou menos notórias concessões a assuntos pop óbvios, existem momentos de menor inspiração, quase perdidos sob meias-luzes neón de cabaré em fim de noite. É o caso sintomático do tema-título (e não só), pseudo-balada downtempo, em manifesta incongruência com o fulgor de outros momentos do disco. É, afinal, nos instantes em que as energias criativas se libertam mais efusivamente que este Made in the Dark vinca a sua personalidade electro-pop e melhor convence, aí assegurando empatias imediatas com os incondicionais da banda que, ainda assim, não deixam de encontrar aqui matérias para torcer o nariz. Não se tratando de um exercício fracassado - o quarteto "Ready for the Floor", "Shake a Fist" (com um sample de Todd Rundgren), "One Pure Thought" e "Don't Dance" salva a honra do convento - Made in the Dark fica bem aquém do que se esperava dos inventivos Hot Chip.
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