Quase três anos decorreram desde que Aparelhagem deu ao sergipano Hélder Aragão (aka DJ Dolores) visibilidade internacional, além das fronteiras do Brasil. Esse trabalho desvendava uma curiosíssima mescla de variáveis tradicionais da música do Recife - sobretudo os embalos contagiantes do maracatu (ele próprio um produto híbrido das culturas afro-indígenas) - com elementos de síntese e as programações, breakbeats e samples. A mistura é recuperada neste 1 Real (não nos deixemos enganar pelo título aparentemente prosaico), um disco povoado por ambientes festivos, genuinamente dançantes e muito bem arrumados. Há lugar para um certo tribalismo com sabores de África ou da Jamaica (o reggae-dub é luminária repetida), para a sedução latina e para métricas da embolada, do afoxé, do carimbó e do caboclinho guerreiro, também para toadas de funk e rock maquilhados, violinos (belos arranjos!) e guitarras, baixos trance, pandeiros e batuques, acordeões, metais, ocarinas, ferrinhos... Ao lado desses ingredientes imprescindíveis a qualquer festa ou charanga do Nordeste, desfila um manifesto de modernidade, tanto no recurso a samples e composições de várias órbitas estéticas (são exemplo a vénia à chanson française - com a voz de Marion Del'eite - em "Shakespeare" ou o protótipo tango-dub de "Números"), como nas magníficas construções rítmicas que são o garante de coesão e harmonia do disco. 1 Real resgata a voz de Isaar (já tinha colaborado com Aragão no álbum anterior) e junta-lhe Hugh Cornwell (dos Stranglers) e os conterrâneos nordestinos Silvério Pessoa, Mónica Feijó, Cláudia Beija e Tiné, vocalista da Academia da Berlinda. Tudo junto, o registo torna-se um belíssimo exercício de exportação da cultura nordestina - Aragão está habituado a maiores encómios além-fronteiras do que "em casa" - e, mais do que isso, soma virtudes às do antecessor, confirmando DJ Dolores como um dos ícones mais sólidos da música brasileira consumida no resto do planeta.
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