A promoção de alguns artífices das órbitas dubstep londrinas das margens para a primeira linha da música britânica, no ano transacto, demonstrou o interesse dos públicos por uma forma de musicalidade com identidade urbana e, por isso, marcada pela densidade emocional das depressões e misantropias modernas. Escuro na essência e formalmente descomprometido, quer no tempo quer nas suas referências estruturantes, o entendimento que protagonistas como Burial (e, depois dele, Kode9, o boss da Hyperdub) fizeram da expressão musical acabou por consistir, também, num fino retrato do desconforto do sujeito urbano face às exigências imprescindíveis da sociabilização nas metrópoles. Nesse particular, a geração dubstep dá voz musical a uma espécie de segunda vaga de misfits, depois da leva rebelde que ergueu o punk ao estatuto de discurso libertário no 70's, na época com a visibilidade e o bizarro impacto que se conhece. Claro que, sob o ponto de vista formal, não se adivinha anarquismo (ou sequer uma insinuação distante dele) na música de Burial. Trata-se, sobretudo, de música feita para acomodar intelectos mais inquietos com o mundo à sua volta mas que, ao invés de apontarem frustrações e sentimentos de exclusão (essa a premissa explosiva do punk) a qualquer alvo fácil, se viram para dentro e buscam respostas solitárias de sobrevivência. É, portanto, uma revolução silenciosa, acima de tudo mental e pessoal, tímida e contemplativa.
Depois de um primeiro álbum homónimo muito aplaudido, continua a saber-se pouco sobre este Burial. Dele se percebera, nesse primeiro exercício, que ser um discípulo dubstep não é necessariamente um embaraço para buscar outras fórmulas formais. Untrue reforça essa ideia, trazendo-nos grande parte das iguarias do debute (é inconfundível a matriz de beats deste senhor) mas somando-lhes, por comparação com o antecessor, um ênfase maior nas vocalizações. Esse compromisso acrescido com as vozes, ainda que filtradas e espectrais, dá ao som de Burial uma dimensão mais "humana" - por oposição aos frios maquinismos do primeiro registo - e com uma impressão melódica mais contínua (a magnífica "Archangel" é o melhor exemplo disso). Depois, além da miscigenação mais ou menos evidente com outras descendências da música de dança londrina, é notório o cuidado no detalhe das construções, fazendo de Untrue uma obra de estruturas mais complexas do que o primeiro disco, sem prejuízo da natureza esparsa típica da sub-cultura Burial. Ele é porta-voz de um silencioso motim de desajustados (os tais misfits de segunda geração) que, afinal, partindo das íntimas inquietudes e assombros da alma (a sua e a dos ouvintes-seguidores), não é mais do que o desejo de integração nas urbes modernas, despidas de afeições e tomadas pelo amor próprio. Untrue pode muito bem ser a luminária invisível com que esses espíritos inquietos se esquivam do egoísmo para respirarem melhor. E é, indiscutivelmente, um grande disco.
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