É bem possível que mesmo os melómanos mais atentos ao fenómeno musical não identifiquem imediatamente o nome de Mitchell Akiyama. Embora o panorama sonoro de Montreal tenha ganho uma notoriedade acrescida com a recente explosão de alguns projectos locais, sobretudo os ubíquos Arcade Fire, não é menos verdade que esse impacto mediático não chegou a muitos dos protagonistas underground da metrópole canadiana. Um desses artífices na margem é precisamente Akiyama que, em paralelo com um incerto percurso a solo, concebeu, agora, o projecto Letters Letters, uma parceria criativa com dois amigos da cena musical canadiana. A saber: Tony Boggs, cúmplice de Akiyama nos Désormais, e Jenna Robertson, o cérebro por detrás do conceito Avia Gardner.
A proposta de Letters Letters não é, como seria de esperar de Akiyama, um mosaico de mera especulação electrónica como os seus trabalhos individuais. Aqui, o plano conceptual é de outra substância, é um rascunho de pop poeirenta e algo assimétrica, sem receio de misturar o pragmatismo estrutural de "canção" (e a formatação que essa matriz construtiva envolve) com o devaneio psicótico de subliminares sabores noise. Trata-se, essencialmente, de redescobrir texturas e atalhos de uma linguagem mais directa - porque mais "emotiva" - e que põe enfoque nos arranjos e numa orgânica de pormenor para erguer composições que trazem à memória, aqui e ali, a técnica de uns Boards of Canada e, luminária mais distante, o frio romantismo dos finlandeses Husky Rescue. Os sintetizadores e as caixas de ritmo fazem o discurso dominante, quase sempre num arrastado devaneio de arritmias, provocando-se mutuamente, saindo de órbita como num sonho incorpóreo, para só baixarem à mundanidade e à disciplina com a regra melódica das vozes (soberbo o expressionismo metamorfoseado de Jenna em "Want To"!) e das guitarras minimais. A desproporção em equilíbrio com o minimalismo é uma dúvida que paira no ar ao som de Letters Letters, atirando incertezas para cima da música do trio canadiano. Esta coisa da razão e da fome de certezas no bicho humano é coisa tramada! O que vale a Akiyama, Jenna e Boggs é que o disco, a despeito de um ou outro tiro de pólvora seca, acerta amiúde na mouche. E o homo sapiens pode descansar outra vez.
Posto de escuta Excertos de todo o álbum (formato .ram)
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