Apreciação final: 8/10
Edição: Megamúsica, Julho 2006
Género: World Music/Blues
Sítio Oficial: www.worldcircuit.co.uk
Edição: Megamúsica, Julho 2006
Género: World Music/Blues
Sítio Oficial: www.worldcircuit.co.uk
Nascido nas cercanias de Timbuktu, cidade nevrálgica do continente negro e histórico ponto de encontro na África Ocidental dos nómadas do Norte (Tuaregues e Songhais) e das caravanas dos mercantes de sal berberes, árabes e judeus, Ali Farka Touré cresceu num ambiente de tolerância cultural e racial. Único sobrevivente de dez irmãos, facto que haveria de render-lhe o epíteto "Farka" (o burro, animal venerado na sua etnia pelo aferro e insubmissão), Touré encontra nas rudimentares guitarras da cultura songhai, desde tenra idade, a magia e os ritmos que lhe dariam a notoriedade além dos limites do deserto do Sahel, fazendo dele um dos intérpretes mais admirados da comunidade world music. Caminheiro do deserto, agricultor habituado à aridez da savana de África e ao trabalho duro para sustento da família, homem benigno e de sorriso pronto, Touré fez-se tão pertinaz quanto o Níger, de águas resistentes às agruras das longas secas sub-saarianas. Essa rotina obstinada é, de resto, substância indissociável do cardápio sonoro de Ali Farka Touré, com porções iguais de rusticidade instrumental (as njarkas e ngonis, antepassados jurássicos de violinos e banjos, são um dos exemplos enumeráveis) e impressões cruzadas de vários cultos africanos, legado óbvio da tradição de Timbuktu. Quando Touré anunciou, há algum tempo atrás, que desistiria da música para humildemente ser mais útil à sua querida aldeia de Niafunké, já lhe tinha chegado o reconhecimento internacional, com expoente no Grammy pelo mítico Talking Timbuktu (1994), um dos rebentos da sociedade criativa com o americano Ry Cooder. A essa estatueta, Touré juntaria outra, no ano transacto, suspendendo o silêncio com o compacto de In the Heart of the Moon, gravado na companhia do tocador de kora Toumani Diabaté, disco que serviria de suporte para um saudado regresso aos palcos. Seria o último. A enfermidade roubaria Touré à vida em Março deste ano.
Por essa altura, Savane estava já em acabamentos. As primitivas (leia-se genuínas) malhas de guitarra de Touré permanecem intocáveis, a sua música é bamboleante e sedutora como um feitiço de mandinga ou um blues de Hooker com regionalismos raï argelinos ou gwanas de Marrocos e recortes sábios de outras paragens, os bhangras do Punjab, os ritmos crioulos, os huaynos do Perú, os paso dobles dos mariachis. E muitos, muitos blues. Savane é, por essa via, o amor à causa de embaixador da música universal que Touré tão bem defendeu, sem renunciar ao vínculo umbilical com o Mali. Com este álbum, gravado nas derradeiras semanas de vida e com conhecimento da fatalidade incontornável da doença que o apoquentava, o indomável burro deixou-nos a derradeira certeza da sua resistência e teimosia: o silêncio que a morte lhe impôs, não roubará a sua música à eternidade. Savane é, além de um maravilhoso requiem, um fascinante adeus e um acrescento imperdível à discografia essencial de África e do mundo.
1 comentário:
Excelente texto, menos não merecia um senhor como o Ali Farka Touré, que merece todas as vénias do mundo. Este "Savane" é só um dos vários exemplos que Ali Farka nos deixou com a sua genialidade. Para sempre vivo com a sua música.
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