Apreciação final: 7/10
Edição: Biscoito Fino/EMI, Julho 2006
Género: MPB
Sítio Oficial: http://chicobuarque.uol.com.br
Edição: Biscoito Fino/EMI, Julho 2006
Género: MPB
Sítio Oficial: http://chicobuarque.uol.com.br
Com um percurso seminal repartido por artes de formas diversas, Chico Buarque é um dos rebentos mais ferazes da cena musical brasileira. Foi na conjuntura da distante década de 60 que despertou para a música, abandonando os estudos superiores e tendo, desde cedo, o privilégio de conviver com a fina-flor dos intérpretes fundadores da MPB e/ou do tropicalismo: Sérgio Mendes, Jorge Ben, Nara Leão, João Gilberto, Toquinho, Edu Lobo, Elis Regina, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Gilberto Gil e Caetano Veloso, entre muitos outros. O despotismo dos tanques nas ruas do Rio, grilhão de ferro do general Costa e Silva, levá-lo-ia à mesma sorte de outros compinchas, votando-o ao desterro em Itália, na eclosão do alvoroço cultural tropicalista. A errância de viageiro forçado veio a esculpir outras cláusulas à alma profundamente carioca da sua música, sempre popular e generosa, de verbo cirúrgico e coração sambista, de humor suspirante e agudo. Chico fez-se menestrel, de corpo e espírito, contador de estórias dos cantos penuriosos das urbes, desvões onde se reuniam mendigos e patifes, prostitutas e bêbados, lágrimas de criança. Relatos poéticos de um rosto ignorado do Brasil, com o saracoteio dos sambas de morro e o primor do jazz, sumo depoimento da identidade de Chico. O retorno a casa mostra-lhe o ónus da censura na pátria dos anos de chumbo, intervalo de vigência do mais duro dos generais, Emílio Médici, e a exprobração sucessiva da sua lavra (com peças politizadas, ao jeito de enunciados da classe proletária) empurrou-o para um silêncio de nove anos. Quando os ferimentos político-sociais deixados pelos sucessivos governos autoritários saravam lentamente, na década de 80, Chico retoma a demanda da MPB, encontrando-a virada para elites e desenraízada do tamanho popular das primícias. Mas Chico é do povo, mesmo quando as gentes mudam os transístores para outras ondas. Apoia publicamente o esquerdista Lula da Silva, derrotado nas primeiras eleições directas e, mais tarde, junta a sua voz ao protesto dos sem-terra, cedendo-lhes os direitos de um disco sintonizado com o movimento contra o jugo dos fazendeiros.
Carioca é a etapa de regresso ao estúdio, oito anos depois do último álbum, e depois dos bons créditos da prosa romanceada de Budapeste. Se nesse escrito Chico cursava sobre o dano imparável da personalidade dobrada no indíviduo, o disco faz crer noutra dualidade. Carioca é Chico, como ele sempre foi mas, camuflada por detrás do rótulo de baptismo do tomo, está música que não é só da cidade maravilhosa; o samba instruído e a bossa nova, os mais cariocas privilégios sonoros, estão cá e trazem orquestrações de luxo. Todavia, Chico, autor traquinas, refractário de sempre, imune ao torpor, presta tributo ao Rio mas não se encerra nas castas de sons cariocas, antes permite outras peripécias, como o balanço baiano de "Ode aos Ratos", o swing dourado de "Porque Era Ela, Porque Era Eu" ou o beijo (amargo?) da guitarra eléctrica de "Renata Maria". A MPB já não reclama os panfletos musicados de Chico mas Carioca é outro tomo de retratos de uma nação brasileira que só se mostra nos seus acordes e canções. Embora sem peças harmónicas tão magníficas como outros discos, Carioca firma uma certeza: a obra de Chico é infinita e o Brasil não é o mesmo sem ela.
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