quarta-feira, 15 de junho de 2005

O Maquinista

Apreciação final: 7/10
Realizador: Brad Anderson (2004)
Actores: Christian Bale, Jennifer Jason Leigh, Aitana Sánchez-Gijón, John Sharian
Género: Thriller/Drama
Duração: 102 mins.








Recentemente lançado no mercado DVD nacional, O Maquinista é uma fita perturbadora e ambígua e um thriller psicológico visualmente veemente, condição sublinhada pelos tons pardos da película e pela magreza esquelética de Christian Bale. Um trabalhador industrial, Trevor Reznik (Bale), padece de insónias incomuns que duram há cerca de um ano e que o debilitaram gravemente. Assombrado pelo aparecimento intrigante de um ameaçador novo colega de trabalho (John Sharian não faz lembrar o Coronel Kurtz, de Brando, em Apocalypse Now?), Reznik embarca numa paranóia crescente de delírios persecutórios, na orla vaga entre dois mundos: a realidade e a sua mente. E quando, subitamente, descobre alguns post-it no seu apartamento, com uma adivinha do jogo do enforcado, a trama psicológica adensa-se...

O Maquinista é uma agil desconstrução da desintegração mental de um homem, corroborada pela degradação física - Christian Bale perdeu quase trinta quilos para desempenhar este papel - de um homem solitário que encontra companhia nos braços da prostituta Stevie (Jennifer Jason Leigh) ou nas conversas de balcão com a bela Marie (Aitana Sánchez-Gijón). Num dos desempenhos mais exigentes da sua carreira (Equilibrium, American Psycho), Christian Bale é demolidor e expande, paradoxalmente, a comunicação física a níveis não vistos antes, graças à redução da expressão à tibieza física e a profundidade depressiva do olhar, fiéis tradutores da instabilidade psíquica da personagem. Depois, as reminiscências de um passado de contornos incertos assaltam permanentemente a mente de Reznik, dando ensejo a uma certa antecipação do espectador que atinge a culminância no súbito e desconcertante (não inesperado...) remate do filme. E aí se acha o engano maior d' O Maquinista: o enredo retalhado de Scott Kosar não escapa a certos clichés e, ainda que seja um exercício bem governado sobre a putrescência mental e a alucinação, não associa um simbolismo metafórico ao ónus da culpa, ao terror psicológico, ao mistério negro e à inadequação de Reznik. A realização de Brad Anderson é, contudo, engenhosa e resgata o filme da colagem a outros títulos do género, propondo um puzzle inteligente, de cariz algo hitchcockiano, sem abusar da violência gráfica da figura de Reznik e construindo habilmente um universo nocturno de purgação kafkiana, belo na negrura e ambiguidade.

O Maquinista é um thriller negro de surrealismo subliminar e progressivo que, suportado na sublime interpretação de Bale (esquecido pela Academia?), disseca cruamente a ressonância psíquica da culpa na mente humana. Ainda que invoque um imaginário não apelativo a todos os apreciadores casuais de cinema, trata-se de um filme enigmático que, não sendo uma obra suprema, contém um vigor inquietante que vai usurpar demoradamente a memória do espectador. A descobrir.

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