Rastilho Records, 2015
Num meio musical pouco dado à crueza do torpemente chamado rock industrial, os Bizarra Locomotiva souberam impor-se, ao longo de uma vintena de anos, como voz nacional líder desse movimento que, sendo ingenitamente marginal - por professar um surrealismo corrosivo pouco amigo de ouvidos dóceis -, atinge circunstanciais picos de visibilidade e mediatismo. Um desses estados de graça momentâneos aconteceu para os BL (ainda com Armando Teixeira), com a inesperada maturação artística mostrada em Bestiário (1998) que, depois das manifestações incipientes que o antecederam e volvidos todos estes anos de percurso, veio a tornar-se charneira na discografia da trupe de Rui Sidónio, por ter inaugurado verdadeiramente uma linguagem musical plausível para o futuro, granjeando a pulso um espaço no (então) muito pouco atrevido orbe musical português. De então para cá, e depois do menos inspirado Homem Máquina (2002), Armando Teixeira desistiu e temeu-se que a locomotiva saísse dos carris. Com Ódio (2004), primeiro, e sobretudo com Álbum Negro (2009), o cepticismo desse prognóstico foi desmentido, sem apelo nem agravo. Esse par de registos desferia uma nova ebulição e amplitude na música dos BL, tão cáustica e autoritária como antes, mas mais precisa e objectiva na construção de ambientes (e canções), sem prescindir do sedimento identitário de Bestiário.
Este Mortuário aceita a escolta do passado recente, segue-lhe os méritos e sublima-se numa ópera industrial, como a própria banda gosta de rotulá-lo. O propósito era, na concepção teórica, construir um disco capaz de capturar a alma incendiária das actuações ao vivo. E, de facto, Mortuário, sendo um dos registos mais ásperos (na música e nos textos) do grupo, conserva a profusão de energias que eles libertam em palco, muito à custa do acrescento de resíduos próprios dos live takes, como as ressonâncias de público e instrumentos, por exemplo. Musicalmente, é inegável que se acham aqui alguns dos mais sumptuosos trechos da carreira dos BL - e até cabe uma revisão livre de "Intruder", de Peter Gabriel - e, também por isso, Mortuário enriquece aquele imaginário agudo e sinuoso com que os decanos do rock industrial nos vêm colonizando a mente há anos, à força de ácidos que fervem. Sem válvula de segurança.
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Este Mortuário aceita a escolta do passado recente, segue-lhe os méritos e sublima-se numa ópera industrial, como a própria banda gosta de rotulá-lo. O propósito era, na concepção teórica, construir um disco capaz de capturar a alma incendiária das actuações ao vivo. E, de facto, Mortuário, sendo um dos registos mais ásperos (na música e nos textos) do grupo, conserva a profusão de energias que eles libertam em palco, muito à custa do acrescento de resíduos próprios dos live takes, como as ressonâncias de público e instrumentos, por exemplo. Musicalmente, é inegável que se acham aqui alguns dos mais sumptuosos trechos da carreira dos BL - e até cabe uma revisão livre de "Intruder", de Peter Gabriel - e, também por isso, Mortuário enriquece aquele imaginário agudo e sinuoso com que os decanos do rock industrial nos vêm colonizando a mente há anos, à força de ácidos que fervem. Sem válvula de segurança.
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