sábado, 21 de março de 2015

Afonso Pais - Terra Concreta

7,1/10
2015

Foi o background formativo firmado nos domínios do jazz que fez de Afonso Pais um admirador do improviso e da espontaneidade que lhe está ligada. Também por isso, a sua música se tem afirmado - e o próprio autor sublinha o facto - como uma colecção de impulsos, o reflexo dos mais elementares (e naturais) ímpetos de criação, sem o espartilho de formas e tempos. Em certo sentido, o processo artístico do guitarrista tem sido uma busca muito auto-consciente dos trilhos menos óbvios (ou menos imediatos) que ligam um qualquer elemento inspirador, necessariamente vago e abstracto, à sua concretização, depois, na forma de uma composição terminada. O método que leva a essa transformação lida com possibilidades infinitas de tom, de tempo, de espaço, de matérias envolventes que, afinal, alimentam as escolhas do acto de criação musical em si. E é precisamente o reconhecimento dessa teia de relações entre artífice, estímulos e ambiente e da influência incontornável destes sobre aquele que nasce esta Terra Concreta. O disco é um documento musical que regista, sem a ingerência exagerada da edição a posteriori, uma compilação de trechos gravados fora de estúdio, em pleno ambiente natural, com recurso exclusivo a instrumentos acústicos e aceitando a interferência da panóplia de sons do mundo selvagem. A particularidade de cada trecho ser absolutamente irrepetível, pela própria circunstância da gravação dos sons envolventes, confere-lhe uma aura única.

Terra Concreta tem que ser visto como um interessantíssimo ensaio de simbioses entre criação musical e natureza. Não sendo, em essência, um trabalho experimentalista na composição - porque não funde efectivamente os sons naturais na matriz construtiva das peças (como na "verdadeira" musique concrète), antes os apresenta como conteúdo "cénico" - há aqui material suficiente para ter vislumbres de como funciona a inspiração "naturista" de Afonso Pais. A natureza está antes, a ideia mistura-se com ela e nasce o esboço que se faz canção. Abra-se o silêncio e escutem-se, pois então, essas canções na natureza.

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