sábado, 13 de maio de 2006

Scott Walker - The Drift

Apreciação final: 8/10
Edição: 4AD/Popstock, Maio 2006
Género: Música Vanguardista/Experimental
Sítio Oficial: www.4ad.com








Scott Walker é um provocador. É um daqueles sujeitos que se dá bem com o desassossego das vibrações sonoras. Já assim havia sido no último dos registos de estúdio, o negro e enigmático Tilt, nascido há mais de uma década (1995). Passados estes anos de quase silêncio - o músico limitou-se a colaborações pontuais - Scott Walker brinda-nos com novo trabalho e, partindo da matriz decompositora do antecessor, constrói um bizarro universo de música abstracta. Chamar-lhe música talvez seja amputar-lhe dimensões, tal é o alcance deste The Drift. A comunicação com o auditor cumpre-se através de um espectro de sons de substância surrealista, sem corpo definido, começando num registo vocal equidistante do dramatismo da ópera e do suspiro fantasmático, em busca de contextos líricos cuja melhor classificação é a de aberração psíquica. Depois, como superior obra abstracta, The Drift é uma permanente transgressão musical (numa faixa escondida até há um Pato Donald a fazer de Mike Patton...), desata-se da realidade e vagueia por cenários musicais indiferentes a qualquer prudência formal, preferindo a lógica do caos, onde se sobrepõem e confundem matérias quase imiscíveis, dos lances orquestrais assombrados, ao dom malabarista das guitarras, à tangência com os ambientes industriais e ao pensamento livre das colagens e da inconstância tonal. Tudo menos canções de convenção, antes trechos musicais de anatomia sinuosa, intimamente perturbadores. Sedução pelo choque.

Desengane-se quem pense encontrar em The Drift um disco comum. Walker não é músico de regras ou concessões, é uma alma conturbada e ambígua. Escura e delirante. A palpitação do álbum é, por isso, arrítmica, asfixiante, quase sem sentido. Angustiada e perturbante. The Drift é (pelo menos soa a isso) um poema crepuscular do apocalipse, como se Walker tivesse testemunhado o fim do mundo como o conhecemos e o revisse, num intenso pesadelo sombrio, ao jeito de uma fita de Bergman, pintada numa tela de Bacon. Evocando cenários transcendentais e universos incorpóreos, The Drift desafia-nos a espreitar os esqueletos que guardamos no armário. Só depois de completada essa excursão pelos horrores da humanidade, encriptados habilmente na música de Walker, é que conseguimos retomar o fôlego. E, mesmo que o apocalipse não seja amanhã, apetece ouvir vezes sem conta esta banda sonora do último dia na Terra.