É inquietante perceber que, no rescaldo de uma participação medíocre no Campeonato do Mundo, parecem não haver consequências para ninguém. Mesmo admitindo que a fasquia das expectativas foi elevada acima do que aconselhava o juízo mais ponderado, o saldo apurado nos três jogos é francamente negativo e coloca-nos perante uma reflexão incontornável: como preparar o futuro da selecção? Respaldado no silêncio complacente da F.P.F., Paulo Bento esgueira-se entre os pingos da chuva e sente-se capaz de tomar em mãos o encargo de renovar o grupo e preparar o ciclo seguinte de grandes competições, a começar já em Setembro, com a qualificação para o Euro 2016. Em face do se viu no Brasil, a união do grupo não é mais do que a ruína que a fase de qualificação denunciou e o playoff com a Suécia apenas disfarçou. Ao mesmo tempo, o apagão competitivo de alguns elementos nucleares na equipa e a inacreditável sequência de problemas físicos, puseram a nu as fragilidades de uma preparação deficiente e de uma convocatória questionável. Também nesses domínios, a culpa vai morrer solteira. E espera-se que seja esta mesmíssima estrutura federativa e o actual corpo técnico a revigorarem o grupo, a reinventarem o espaço das selecções nacionais e a prepararem a nova geração para a próxima década dos AA's? Não estará Paulo Bento refém das suas próprias ideias e da fidelidade ao vínculo de gratidão construído com alguns futebolistas nos últimos anos?
Nas circunstâncias actuais, a renovação de quadros na selecção é uma inevitabilidade e não pode ser condicionada por privilégios pessoais que, se nunca se justificaram, agora têm ainda menos sentido. Pior do que isso, os mentideros trazem relatos de episódios de ingerência na escolha da equipa, da interferência de patrocinadores e empresários a vários níveis e, inclusivamente, de algum mal-estar entre jogadores. Com estas condicionantes, não se adivinha um processo pacífico de renovação e é legítimo questionar-se se os actuais protagonistas, tanto directivos como técnicos, são as pessoas certas para o conduzir e levar a bom porto. O espaço dos sub-21 tem que ser aberto paulatinamente aos AA's já na qualificação para o Euro 2016. Não há outra via. Mesmo respeitando o trajecto feito ao serviço da selecção, não pode iludir-se o facto de que urge "refrescar" o ambiente da equipa de todos nós. Chamar à equipa novas caras e novas ambições tem que ser a prioridade, sob pena de perder-se o timing dessa renovação e cavar-se um vazio geracional. E esse caminho de mudança tem que ser suportado num princípio basilar que respeite não outra coisa senão o momento de forma: os melhores para cada posição. No Brasil, ficou clara a capitulação desse princípio. E, aparentemente, o balanço que importava fazer não é feito, passa-se uma esponja sobre os episódios Brasil 2014 e o mundo luso segue no laxismo do costume, como se nada fosse, como se não tivesse existido o Campeonato do Mundo. Fingir que não há um problema é o primeiro passo para o ver crescer.
E depois, a questão de sempre: Cristiano Ronaldo. Ícone aglutinador de paixões, o capitão português é o pólo que agrega quase todas as atenções, numa lógica de subvalorização do colectivo que até os colegas parecem aceitar com bizarra submissão. Primeiro, foi a "novela" em torno da lesão, também embalada pelos companheiros em diversas ocasiões; depois, a sequência desconchavada de declarações públicas, em contradição entre si e sem norte. Finalmente, a pobreza inacreditável das suas prestações desportivas, algo comum a todas as grandes competições de selecções em que participou. Como aqui escrevi, julgava que o capitão português tinha atingido um patamar de maturidade emocional consentâneo com a sua posição no grupo. A realidade dos factos desmente-o categoricamente. Continua mimado, birrento e a considerar-se muito superior à selecção, como se fossem os colegas a causa do insucesso dele. E este estado de coisas tem que ser questionado, não podem permitir-se prima-donas numa representação nacional e alguém tem que ter a frontalidade de o dizer abertamente. A comunicação social nacional continua a embalar o egocentrismo insuportável de CR7 e a alimentar um fenómeno mediático que inibe os próprios colegas, mesmo que eles involuntariamente o aceitem. Ronaldo é um futebolista de eleição, é um facto, mas isso não pode dar-lhe o estatuto de nobre vaidoso entre plebeus. Haja quem afronte essa evidência com mão disciplinadora e sem medos. Mas isso só será possível se a liderança, a todos os níveis, não estiver conotada com nenhuma cadeia de poder ou interesse paralelo, nem comprometida com outra coisa que não seja uma filosofia de renovação e de vitória. Esse tipo de independência jamais surgirá sem mudanças estruturais. E elas têm que começar na F.P.F., desde o banco de suplentes à hierarquia federativa. Iludir este facto é fingir que não existe um problema.
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