sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

BEST OF 2013



Já está publicada a escolha de melhores discos de 2013. É só seguir o ligação na barra lateral.



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Logos - Cold Mission


8,1/10
Keysound, 2013

Segundo rezam as crónicas, o perfeccionismo de James Parker levou-o a apurar as fórmulas da sua música durante bastante tempo até se sentir seguro do material que inscreveu neste Cold Mission para se apresentar ao universo musical. O britânico é um dos protagonistas da revitalização contemporânea do grime, género com mais de uma década de existência e que, agora, com o recurso às mais modernas tecnologias, parece ressurgir em ondas de entusiasmo e adesão. No fundo, a nova vaga corresponde, em essência, à renovação de uma linguagem sonora marginal que nasceu no começo do século nas rádios piratas londrinas e que, então, dava corpo musical a um certo inconformismo de algumas mentes com pouca vontade de se vergarem às opressões do cosmopolitismo desregrado. Hoje, essa premissa continua tão ou mais válida, haja gente para levar à prática a demanda por um código musical que ofereça aos desassossegados as chances de catarse que anseiam. Neste contexto, o projecto Logos apresenta um som não tão saturado quanto se esperaria de um herdeiro grime, o que sugere a exploração de coordenadas que vão além do legado e denunciam a intenção de uma desconstrução ambiciosa. Declarado o jogo de intenções estéticas, importa descodificar o produto final.

Desde as primeiras notas de Cold Mission se percebe que não se trata de um puro-sangue grime, mesmo partindo de substâncias que imediatamente o associam ao género, como o discurso disruptivo, os padrões rítmicos, a pujança das batidas. Ainda assim, no lugar das texturas saturadas que seriam expectáveis, mora uma curiosíssima interacção triangular entre espasmos sónicos de várias ordens, espacialidade e silêncio (ouça-se "Stasis Jam", por exemplo). Desse triângulo, resulta "música" em estado de suspensão e sem objectivo definido. É como se cada trecho houvesse resultado de pegar avulsamente em inúmeros objectos sonoros (vidros a partir, apitos, pistolas laser, ruídos robóticos, xilofones, ondas do mar, todos processados electronicamente), também no discurso ecoante de MCS e nos ambientes cinemáticos, virá-los do avesso, arremessá-los ao ar e aproveitando a inspiração da sua arrumação casual no espaço, juntar percussões desvairadas de requintado Eskibeat. A coisa nunca será consensual, há-de ser adorada ou detestada. Uns dirão que é uma esquizofrenia inconsequente, outros verão nisto o Santo Graal da electrónica moderna. Não será uma coisa nem outra, mas faz prova de que há território virgem para desbravar nos domínios grime e que Cold Mission pode ser um passo decisivo para o desbravar. E isso não é coisa pouca.

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Arctic Monkeys - AM


8,5/10
Domino, 2013

Tendo sido um dos mais consistentes fenómenos da vaga de projectos musicais que aproveitaram o boom da disseminação musical na internet na segunda metade da década 00, os Arctic Monkeys cedo viram colar-lhes responsabilidades de várias ordens e que, em última análise, redundavam no propósito de regenerar uma cena rock britânica estagnada e carente de heróis novos. A par dos escoceses Franz Ferdinand, embora num registo substancialmente diferente mesmo que nascido dos mesmos instintos, os jovens de Sheffield encarnaram o espírito dessa missão (indesejada) e superaram sucessivos testes de resiliência, quer naquilo que lhes era exigido comercialmente, acumulando prémios e distinções, quer na bitola altíssima que as circunstâncias impuseram às suas actuações em palco. Em qualquer dos casos, a fórmula sonora virada para o rock vitaminado, de batimento célere e refrão fácil revelou-se inatamente adequada para as grandes arenas, garantindo-lhes presença em tudo o que era certame ou festival de referência. O epicentro do imparável crescimento mediático veio com a actuação na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres. É natural que, com sensivelmente uma década de actividade e um quarteto de álbuns gravados e sobretudo em razão da conjuntura do seu percurso, Alex Turner e companhia tenham sentido o apelo da mudança. E não se trata apenas da mudança natural (e inevitável) do crescimento etário que, mais tarde ou mais cedo, os afastaria da urgência juvenil que os trouxe à ribalta. É algo mais profundo do que isso.

Em certo sentido, AM rasga com a regularidade gloriosa que o antecede e é um corajoso exercício de evolução, senão nas matérias, ao menos na forma de as utilizar. Imediatamente se percebe que a música é menos "física" e mais centrada na construção de virtudes melódicas e ambientes (sinistros?) não explorados até aqui. Se quisermos, AM é uma extensão do experimentalismo de Humbug (2009) - que havia inaugurado a proximidade, agora prosseguida, com Josh Homme - levando mais além a demanda por um som menos nervoso. É como se a luminosa (e inconsciente)  festividade do quarteto se tivesse convertido na nova idiossincrasia de um jogo de luzes graves e mais escuras, com baixos assertivos e beats, riffs Led Zeppelin e muito, muito groove. No todo, estamos em presença do mais íntegro capítulo da existência dos Arctic Monkeys e da confirmação da maioridade criativa. Agora sim, eles estão à altura das responsabilidades que lhes puseram nos ombros há meia dúzia de anos.  

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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Billie Joe + Norah - Foreverly


7,6/10
Reprise/Warner, 2013

Apesar de o universo musical ser naturalmente pródigo em colaborações entre os seus protagonistas, há momentos em que a confluência pontual produz surpresas inesperadas. Poucos teriam antevisto um casamento artístico entre Billie Joe Armstrong, voz punk dos Green Day, e Norah Jones, estrela do jazz-pop mais experimentada nestas coisas de conspirar com outros pares. A matéria que inspirou a união improvável é do mais americano que pode haver, vem do cancioneiro tradicional country e reporta a Songs Our Daddy Taught Us, recolha de canções editada em 1958 e que constitui um dos momentos altos da história dos Everly Brothers. O legado de simplicidade quase angelical que os manos Everly deixaram é, aqui, tratado com a civilidade própria de dois músicos cientes da importância daquilo que tinham em mãos e de que a melhor prova de admiração/reconhecimento passaria por não mudar a essência melódica riquíssima das canções. O vector decisivo destas (re)gravações é a desafectação com que Billie Joe e Norah se entregam à tarefa, sem mimetismos que seriam impossíveis, mas investindo em registos vocais próximos do original. Essa aproximação afasta ambos (sobretudo Billie Joe) do conforto do habitat natural e o facto de resultar tão bem (uns pontos acima do ensaio de Bonnie "Prince" Billy e Dawn McCarthy sob uma premissa parecida, vide What the Brothers Sang) joga em favor do disco e dos intérpretes.

É também por isso que Foreverly, a despeito da adição de respeitosos arranjos que fundamentam a sempre necessária nota de modernidade, soa tão natural que vence qualquer cepticismo de partida. No todo, este tributo servirá o propósito de redescobrir canções perdidas no tempo, mas presentes no imaginário colectivo da música americana, homenageando uma dupla que deixou o seu cunho nessa história. Don e Phil, hoje recatados septuagenários, não podem deixar de gostar. Em simultâneo, Foreverly acaba por tornar-se também uma das melhores manifestações artísticas de Bille Joe e de Norah nos últimos tempos, mesmo apartados da electricidade e do piano onírico que os notabilizaram individualmente.  

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quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Ermo - Vem por Aqui


8,2/10
Optimus Discos, 2013

É inegável o dinamismo da cena musical portuguesa que vem gerando, nos últimos anos, uma plêiade de projectos oriundos das mais variadas famílias estéticas que fazem prova de uma vitalidade que não era típica cá no burgo. Atrás disso, há um movimento crescente de emancipação em relação às grandes editoras e germinam (imensas) pequenas iniciativas editoriais que dão espaço a protagonistas que não encaixam nos cânones. É o caso do duo Ermo, mais uns descendentes da fervilhante orbe musical bracarense e que, agora, se estreiam no formato longa-duração, depois de se terem dado a conhecer, há um par de anos, no volume quatro da colecção "À Sombra de Deus" e, depois, no EP homónimo do ano transacto (em edição de autor). Quem ainda não teve qualquer contacto com o universo dos Ermo, prepare-se para a inquietante surpresa de uma proposta sonora que põe, em cima de electrónicas de abstracção minimalista, textos orados de genuína portugalidade. Em termos mais concretos, estamos em presença de uma exaltação intuída ao imaginário secular luso, na crueza poética dos textos e, sobretudo, num canto que tanto pode ser de devoção religiosa como de paganismo declarado. De resto, essa versatilidade camaleónica na voz de António Costa segue as métricas do laboratório de sons de Bernardo Barbosa. Da mistura, brotam pedaços de todos nós, de todos os tempos e geografias de Portugal, de cantos gregorianos, de rifões populares, da placidez das canções telúricas e do sufoco da urbanidade, de hoje e de outrora. O cruzamento da tradição e da modernidade não é senão um anseio catártico (quase sacro), uma quimera visceral (lúgubre?) sem fim anunciado (o mito do sebastianismo) e que acolhe vénia e subversão sob o mesmo manto de ecos e sons.

Vem por Aqui torna-se, nas suas peculiaridades, um dos melhores retratos do que é o lusitanismo que nos envolve a alma, entre o apego sanguíneo aos símbolos e história da nação e a derrocada fatalista do descontentamento (o fado?). Somos isso tudo e isso tudo é também a música dos Ermo. Sem pretender ser um grito de alerta ou um manifesto moralista, é difícil dizer que estamos perante uma forma hodierna de música de intervenção. Talvez sim, talvez não. O dado absoluto é este: o disco é um documento imperdível. 

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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Son Lux - Lanterns


7,7/10
Joyful Noise Recordings, 2013

Nesta altura do campeonato, poucos duvidarão de que atrás do epíteto Son Lux, mora um inventor movido pela curiosidade. Já na ocasião do debute discográfico, há sensivelmente cinco anos, o quase desconhecido Ryan Lott havia acumulado uma série de trabalhos avulsos, sobretudo no domínio da música para anúncios. Foram, de resto, esses exercícios "encomendados" que instigaram a descoberta de outras motivações e a demanda por causas maiores de expressão artística. O facto de a coisa ter sido apadrinhada pela Anticon, laboratório de desconstrução das causas hip hop e viveiro de algumas linguagens musicais verdadeiramente reformistas, corroborou a ideia de estarmos em presença de um músico sem medo do risco e ansioso por firmar um discurso próprio. Nessa primeira manifestação (At War With Walls & Mazes, 2008), sentia-se ainda o pendor "cénico" nas composições e, mais do que isso, a insegurança de canções a ensaiarem os primeiros passos numa corda bamba entre a formatação pop madura e um espírito de motim estético. We Are Rising apagou dúvidas, três anos depois, fazendo prova de que o espaço Son Lux encontrara evolução, sem abdicar da idiossincrasia experimental que tem nos genes, nos costumes mais eruditos de uma lógica pop seduzida pela música contemporânea. De então para cá, Lott foi a todas: fundou o trio S / S / S, com Sufjan Stevens e David Cohn (Serengeti), fez música para cinema, produziu álbuns para a Anticon, tocou um pouco por toda a parte e assinou pela Joyful Noise Recordings (onde mora gente como os Deerhoof, Dinosaur Jr., Sebadoh, Why? ou Akron/Family, por exemplo).

Lanterns é, então, o terceiro registo como Son Lux e assenta no mesmo experimentalismo do antecessor. Mantém-se a proximidade estrutural com a sofisticação da música contemporânea. O trabalho de pormenor vem depois, na construção das canções a partir de inúmeros aportes, sejam eles "clássicos" (como os metais e as cordas), sejam eles electrónicos (a maior parte). A convivência desses elementos não agradará aos puristas dos dois universos de per si, mas é útil à orientação melancólica do discurso e, a despeito de um ou outro instante de menor simbiose, resulta bem. Ryan Lott vinca definitivamente que é possível transcender os limites entre os mundos pop e erudito, sem desconexão. No resto, as canções de Lott cativam pela imprevisibilidade própria de algo que foi construído a partir da gravação isolada dos instrumentos, seguida de um engenhoso trabalho de sobreposição e colagem, até chegar à forma de uma canção, quando as convenções ditariam a fórmula inversa - ter uma ideia de canção e usar, depois, os instrumentos para a revestir. E esse factor surpresa faz toda a diferença, mesmo nas peças menos inspiradas.

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