quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O ocaso de Artur Moraes


Quando chegou à Luz para substituir o infeliz Roberto, Artur Moraes era a imagem da serenidade dentro e fora das quatro linhas. Em campo, os desempenhos desportivos, em Braga, mostraram-nos um guarda-redes com predicados de equipa grande: concentração competitiva, capacidade de desequilibrar, versatilidade e consistência emocional. A última tinha ecos no discurso público, sempre sereno e ponderado, com sentido de responsabilidade e a temperança de um homem suportado na experiência e na competência. A carreira no Brasil e nos primeiros tempos na Europa foi pautada por uma intermitência que não fazia adivinhar essas capacidades, reveladas em Braga, em 2010-2011. Mesmo aí, estava na sombra do seu compatriota Filipe até o regresso deste ao Brasil. A partir desse momento, agarrou o lugar, surpreendeu na liga portuguesa e ajudou o clube a chegar a uma improvável final europeia - foi considerado o melhor guarda-redes da prova nesse ano. Nos primeiros tempos no Benfica, não se atrapalhou com a responsabilidade de ser o número um e rapidamente conquistou os adeptos, com uma performance desportiva a vencer cepticismos e a confirmar aptidões. Erguia-se o Rei Artur, para as delícias do Terceiro Anel. O novo herói enterrava definitivamente o fantasma Roberto. E como se explica a queda do anjo?

Ser guarda-redes é ter uma das incumbências mais ingratas e polarizadoras de emoções no mundo do futebol. Se defende, está a cumprir a sua obrigação. Se não defende, não presta. Este simplismo julgador pode ser injusto, é certo, mas vem das bancadas que, à mínima falha, são céleres a apontar as culpas ao alvo mais frágil, àquele que, por ser o último bastião, o defensor do último reduto, não tem margem para falhar. Numa equipa de topo, este extremismo é ainda mais vincado. O guarda-redes é chamado a intervir menos vezes, é menos visto no jogo. Quando a acção chega a si, pode ter estado longos minutos como mero espectador. Também por isso, a perspicácia para "ler" os momentos do jogo e manter os níveis de concentração a todo o tempo é um requisito incontornável. A defesa da baliza de uma equipa pequena, quando se está completamente envolvido no jogo e permanentemente alerta, não deixa espaço para quebras de concentração. E, depois, é-se bom ou não consoante se soluciona bem, sob o ponto de vista técnico, a torrente de solicitações no jogo. Na equipa grande, voltada sistematicamente para o ataque, sobram lapsos consideráveis de tempo sem intervenção no jogo e é nesses momentos que pode diminuir a concentração. Um guarda-redes mentalmente menos preparado para ter níveis de concentração sem quebras, dificilmente não falhará nos poucos lances que chegam ao seu quintal.

A outro nível, a resiliência mental do guarda-redes é posta também à prova no exacto momento em que falha. Todos falham em algum momento da sua carreira, mas os melhores falham muito pouco. Importa sobretudo saber perceber a falha, reagir a ela e reerguer-se da adversidade ainda mais forte do que antes. Ter essa capacidade de regeneração/aprendizagem só está ao alcance dos predestinados.

Acredito que a Artur Moraes aconteceram duas coisas decisivas para o ocaso. A primeira, foi sentir-se confortavelmente pousado nos louros dos primeiros tempos e ter-se deslumbrado com o sucesso imediato. E a efemeridade desse êxito só podia ser invertida com persistência, trabalho e, lá está, muita força mental e abnegação para resistir à crítica e ao desgaste próprios da exposição (desportiva e social).

A segunda causa essencial do apagão de Artur foi a notória impreparação para regenerar-se depois do erro. Enquanto não falhou, foi capaz de manter-se à tona; com os erros, veio a auto-desconfiança e a incapacidade de repôr a crença em si mesmo. Sucederam-se as exibições comprometedoras e o guarda-redes benfiquista enredou-se na espiral depressiva da sua própria mente. Sem reacção, no curto espaço de meses, Artur Moraes tornou-se o contrário de si mesmo: inseguro, desconcentrado e periclitante. A chegada de Oblak agravou uma depressão anunciada, também fomentada por um episódio de tentativa de extorsão, na sua vida pessoal. De então para cá, a linguagem corporal de Artur Moraes - como foi visível na pré-temporada corrente - é a de um homem descrente e derrotado, sem alegria. Os erros repetem-se e nada parece pôr um travão no ciclo vicioso que há-de atirá-lo para fora da Luz. A mudança de ares até pode ser a melhor coisa a acontecer-lhe. Cabe a ele - e a quem houver de o ajudar - mudar este estado de coisas. O guarda-redes de 2011 ainda está lá. Falta recuperá-lo.

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