A chegada ao Real Madrid de Toni Kroos e James Rodríguez é um desafio táctico para Carlo Ancelotti. Não é nova no clube esta distorção mercantilista da política de contratações, muitas vezes mais voltadas para o mediatismo do que propriamente para as necessidades desportivas pontuais da sua equipa de futebol. O apogeu desta filosofia foi a chamada era dos galácticos, no primeiro consultado de Florentino Pérez na presidência, em que se tornou evidente essa aposta em nomes sonantes, ao invés de serem supridas as carências técnico-tácticas do plantel. O desequilíbrio notório da gestão desportiva e a desproporcional coexistência entre os melhores jogadores do mundo e jovens inexperientes foi simbolicamente posta sob o rótulo "Zidanes y Pavones". Embora hoje o contexto seja um pouco diferente e a conjuntura interna tenha ditado, nos últimos anos (sobretudo com José Mourinho), uma política desportiva mais equilibrada e preparada para o êxito, não parece ter sido abandonada a ideia de que, em paralelo com o rendimento desportivo, o merchandising e os direitos de imagem pesam muito no incremento de valor da marca Real Madrid. Mais do que recrutar os melhores do mundo, ou tampouco procurar as melhores peças para a engrenagem colectiva funcionar em torno dessas estrelas, o primado do mediatismo é difícil de contornar em cada aquisição.
James Rodríguez é exemplo acabado disso mesmo. Não teve uma época desportiva fulgurante no Mónaco, é um facto, mas chega a Madrid com o aval galáctico de um campeonato do Mundo em que se fez figura de proa. Kroos, por seu lado, foi pêndulo do Bayern e da selecção campeã do mundo e chega ao Bernabéu com uma aura diferente. Não é um galáctico, nem é um ícone mediático; pode não vender camisolas, pode não ser tão espectacular, mas é de uma utilidade técnico-táctica inquestionável, mesmo na sombra dos outros. Perceber esta dualidade é sinal de que a estrutura Real Madrid soube entender os erros do passado e que, sem abdicar do importantíssimo pendor mediático da chegada de novos jogadores, está mais apetrechada para replicar os êxitos recentes, já sem os suspiros pela Décima que, durante anos a fio, tolheram políticas desportivas, também assombradas pela ascensão interna do Barcelona mágico de Guardiola. Kroos não caberia na era galáctica e, hoje, está em Madrid. Ter este sentido utilitário do jogo e da importância dos equilíbrios colectivos para melhor fazer sobressair o talento, é um saudável passo em frente e que a sensibilidade italiana de Ancelotti interpreta cabalmente. Mourinho iniciou o processo - que veio a ser minado por atritos internos que o próprio alimentou - e Ancelotti solidifica-o.
O desafio será encaixar tantos talentos num onze. O técnico italiano, no rescaldo da vitória de ontem na Supertaça Europeia (2-0 ao Sevilha), fintou habilmente a questão, reportando-se à exigência de manter a equipa sempre a um nível alto, em toda a extensão da época desportiva e que isso só pode ser feito com mais do que onze titulares, promovendo a rotação da equipa. Terá forçosamente que o fazer, não apenas para gerir os estímulos motivacionais de cada jogador, mas também para evitar quebras competitivas do colectivo.
No encontro de ontem, Ancelotti juntou o trio maravilha (Ronaldo, Bale, James). O colombiano dá os primeiros passos no universo merengue e procura ainda referências e coordenadas tácticas na equipa. Tem tudo para ser uma solução interessante nas dinâmicas posicionais que Ancelotti aprecia, sobretudo por mover-se muito bem atrás da posição nove (como falso dez) e por aparecer inteligentemente nos corredores, quando as trocas posicionais do carrossel madridista baralham as marcações adversárias. Atrás dessa flexibilidade táctica, o equilíbrio de Kroos pode ser decisivo. Melhor como médio de segunda linha e transição, também pode ser pivot (só ou em par) e tem uma noção espacial do jogo apuradíssima. É daqueles jogadores que se diz que está sempre no sítio certo, sabe transportar a bola e entregá-la com critério. Se vier a coexistir com Di María (está de saída?), pode fazer uma segunda linha de meio-campo de grande intensidade, de correctíssima interpretação zonal do jogo e, mais importante que isso, de fulcral equilíbrio para soltar os talentos para a construção. Ontem, foi Modric o companheiro de armas no meio-campo e o esquema esteve mais perto do duplo pivot móvel (em 4-2-3-1) que lhe limita um pouco o raio de acção. Mas já ficaram pistas sobre a sua utilidade para um colectivo que tem, este ano, o melhor grupo de jogadores da última década no Madrid. O palácio está remodelado.
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