quinta-feira, 29 de maio de 2014

Prins Thomas - III

7,5/10
Full Pupp, 2014

Se há coisa que pode ser imputada a Thomas Moen Hermansen - o sujeito por detrás da alcunha Prins Thomas - é a responsabilidade de ter sido um dos reinventores das temáticas disco de escala europeia. Sozinho, ou com o compincha Lindström, deu visibilidade a um conjunto de produtos musicais que vieram a reposicionar a forma de sentir (e ouvir) a electrónica, cruzando a tal escola disco com inúmeras referências históricas e condimentos especiais que, em conjunto, compunham um conglomerado interessantíssimo e quase sem paralelo. E foi assim mesmo que os radares do mediatismo o descobriram, a mãos com o aprimoramento de um fórmula que tinha tudo para vingar, sobretudo por revelar sinais de consistência e um invulgar sentido de equilíbrio nas arriscadas sobreposições entre o tradicional e a novidade, sem favorecer um ou outra. Chamar-lhe space disco - a referência estética que colaram à ética de trabalho de Prins Thomas -, talvez não lhe fizesse justiça, como resulta evidente da discografia já editada e que dá mostras de uma verve que, acompanhando o pressuposto de remexer no suporte estrutural da disco, não se detém apenas nessas coordenadas.

III vem na sequência do díptico lançado com Lindström e que mereceu ampla aclamação, sobretudo por assentar nessa aliança com o património disco, mas moldando-o a um discurso menos apontado às pistas de dança e mais interessado em aventurar-se nas improváveis convergências com outras dimensões musicais. O pendor progressivo-espacial das composições reforçou, então, a legitimidade do epíteto space disco. Este III, mesmo sem a companhia de Lindström (dá-se a coincidência de também ser o terceiro registo em nome próprio), retoma essa relaxada peregrinação por paragens inexploradas da disco, indo mais além nas abstracções que constroem cada peça ("Arabisk Natt" é uma brincadeira deliciosa) e dando azo a um curiosíssimo contraste: talvez este seja o mais hedonista dos discos de Prins Thomas - no sentido de ser aquele que mais se borrifa em regras - e, ainda assim, será o menos dançável de todos. E cada audição escancara a inevitável evolução de paradigma de Prins Thomas: a disco não é já senão uma luminária distante e difusa, um cicerone de métricas e pouco mais. Tudo o resto é o produto de anos de destilação de uma linguagem que, hoje, tem mais certezas na sua própria especulação pelos sons cósmicos, pelo krautrock, pelo dub e até pelo psicadelismo, acolhendo todos e não destacando nenhum.  Chama-se a isso savoir faire.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

sábado, 24 de maio de 2014

Sugestão musical

Mac DeMarco
Passing Out Pieces
Salad Days (2014)

A Náiade

John William Waterhouse
The Naiad
1893

Observação de jogadores: Youri Tielemans

Youri Tielemans (Anderlecht)

No exigente quadro do futebol moderno, não é comum ver-se um médio defensivo afirmar-se ainda antes da maioridade, mas é isso que tem acontecido com Youri Tielemans. Produto da formação do Anderlecht - único clube que representou até à data - vem firmando o seu espaço no emblema belga, a ponto de ter-se tornado o mais jovem estreante do seu país na Champions, apenas com 16 anos. De então para cá, cresceu nas equipas de jovens do Anderlecht e chegou com naturalidade ao plantel principal. 

Apesar da tenra idade, surpreende a leitura espacial que faz do jogo e a sua maturidade táctica. Tem um comportamento posicional muito evoluído, com a exacta noção de onde tem que estar para garantir os equilíbrios tácticos da sua equipa. Depois, e porque é um centro-campista completo, é apto em todos os momentos do jogo: sabe recuperar a bola, assume a primeira fase de construção com critério e lança bem o momento ofensivo, em razão da excelência do passe e da visão de jogo apurada. Alia capacidade técnica acima da média com potência física, o que faz dele um médio com desembaraço, cultura de posse da bola, inteligência na transição (ofensiva e defensiva) e sentido utilitário do jogo. É comum encontrar a solução de passe mais eficiente para soltar a equipa para a frente, ora ao primeiro toque, ora depois de driblar adversários para libertar-se da zona de pressão e mudar o centro do jogo. Fala-se do interesse de grandes emblemas nele e, se evoluir consistentemente (acabou de completar dezassete anos e já joga nos sub-21 da Bélgica), tem tudo para tornar-se um médio de excelência para os próximos anos do futebol europeu.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Observação de jogadores: Karol Linetty

Karol Linetty (Lech Poznan)

Desde os dez anos nos escalões de formação do Lech Poznan, o centro-campista Karol Linetty integrou as várias selecções nacionais do seu país, chegando prematuramente à equipa principal, em virtude do reconhecimento dos seus predicados técnicos e da maturidade táctica que foi capaz de demonstrar desde cedo. Debutou, com 18 anos, em 18 de Janeiro de 2014, na selecção maior da Polónia.

É um médio perfeitamente adaptado às características e exigências do futebol moderno e com a capacidade de, no corredor central, interpretar bem qualquer posição do meio-campo. Embora já tenha sido utilizado como pivot defensivo, é como médio de segunda linha que o seu futebol melhor respira, seja pela apetência inata para construção de jogo, seja pela naturalidade com que solta a equipa para o espaço ofensivo, com excelente controlo de bola, bom drible e a oportuníssima descoberta de soluções desequilibrantes, ora no passe de ruptura, ora recorrendo ao remate de meia distância. Tem bom toque de bola e uma chegada criteriosa à zona de finalização e, se evoluir consistentemente, pode tornar-se um genuíno médio box-to-box. Fala-se do interesse de grandes emblemas europeus no seu concurso. Deverá integrar a esquadra polaca no próximo campeonato do Mundo.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

sábado, 17 de maio de 2014

Observação de jogadores: Matthias Ginter

Matthias Ginter (Freiburg)

Natural de Freiburg, é hoje um dos principais activos do maior clube local, depois dos primeiros anos de formação terem sido passados no SV March. É presença regular na primeira equipa desde a temporada 2012/13 e desde aí tem sido sistematicamente convocado para as selecções jovens do seu país, somando já internacionalizações pela Mannschaft em 2014. 

Com formação de defesa central, pode jogar em qualquer um dos lados do centro da defesa e é aí que vem solidificando o seu estatuto, embora já tenha sido pontualmente utilizado como médio defensivo. É dextro e, mesmo não sendo muito elegante na condução da bola, gosta de sair a jogar. É muito forte na antecipação porque lê bem o jogo, é culto nas movimentações defensivas e tem excelente timing no desarme. Competente no jogo aéreo e com a bola na relva, tem todas as características de um defesa central moderno: agilidade, rapidez e simplicidade de processos e bom sentido posicional. Quando tem oportunidade, gosta de lançar a bola em profundidade, podendo ser uma arma importante num colectivo especializado em transições rápidas. É um dos nomes mais falados da nova geração alemã e está pronto para o salto para um emblema com outra ambição.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A cigana de Musca

Pablo Picasso
Gypsy in front of Musca
1900

Memórias do cinema

Morgan Freeman, Tim Robbins
The Shawshank Redemption
1994

Swans - To Be Kind


9,0/10
Young God Records, 2014

Quando Michael Gira decidiu ressuscitar os Swans, poucos previriam que aquela que outrora fora uma força ímpar do mais sombrio rock alternativo americano, após uma dúzia de anos de retiro (1998-2010), fosse capaz de motivar a consagração generalizada que veio a agraciar The Seer (2012). Mesmo com Jarboe apenas "emprestada" (a teclista vive a tempo inteiro o seu projecto solo), o colectivo pôs de pé um dos mais ambiciosos opus da sua extensa discografia e mereceu rasgados elogios de todos os quadrantes, recolocando Gira e seus pares em órbita relevante, deixado para trás um esquecimento que não fazia justiça ao quilate da discografia guardada nos armários da memória. Reparada a amnésia e reposto o equilíbrio universal, os Swans reafirmaram uma linguagem musical que domam como poucos e que Gira tinha posto de parte quando aos comandos dos melódicos Angels of Light. Mas a índole esdrúxula do  californiano não se aquietaria facilmente nas canções de sombras mais certinhas dos Angels; a nostalgia do gótico e do experimentalismo mais escuro viriam acima como o azeite em água. E só os Swans para responderem a esse apelo.

Esse disco de há dois anos era uma verdadeira megalomania de especulação rock, tão grande e tentativo (leia-se experimental) quanto equilibrado entre o minimalismo de um poema negro e o épico de uma ópera rock distorcida, situando as expectativas num plano de exigência que vergaria qualquer comum mortal. Mas Gira e companheiros não são gente para se render e investiram neste To Be Kind as mesmas ambições. O cunho grotesco que tão bem servira o antecessor, afinal a sublimação que o tempo trouxe aos sedimentos gótico-industriais da banda, tem sucessão certeira aqui, a ponto de já poder afirmar-se que esta nova vida dos Swans nunca quis ser um mimo nostálgico para fãs, antes a construção de um dialecto sonoro consistente e novo, apoiado no património deixado para trás na primeira vida, é certo, mas sem verdadeiramente se deter nele. Tão emocionalmente inquietantes como os longos mantras apocalípticos de The Seer, as peças deste To Be Kind anunciam uma catarse menos fatalista (o que não quer dizer menos negra, bem entendido). Além do monólito rock que se propunha triturar quase tudo à marretada (como se revê na entrada de "Bring the Sun/Toussaint L'Overture"), há aqui espaço para microscópicos trabalhos de acupunctura e orações. Destruição em golpes mais pequenos e mais fundos e sempre desconcertantes. Oremos.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

Observação de jogadores: Alireza Jahanbakhsh

Alireza Jahanbakhsh (NEC)

Oriundo do país de Médio Oriente que mais talentos deu ao mundo do futebol nos últimos anos, Alireza Jahanbakhsh cedo despertou a atenção de olheiros internacionais, sobretudo quando se estreou, aos dezasseis anos, na selecção sub-19 do seu país, no Campeonato Asiático de 2010. Já aí deixara sinais de uma maturidade ímpar e de qualidades técnicas acima da média da competição. Em 2013,  inaugurou a sua aventura europeia, comprometendo-se por três anos com o NEC Nijmegen e firmando-se quase imediatamente como um dos mais interessantes futebolistas do colectivo holandês, apesar da despromoção nos playoffs de 2013/14. Debutou na selecção principal do Irão, com a chamada de Carlos Queiroz em Outubro de 2013, na qualificação da Asian Cup, poucos dias depois de completar vinte anos.

Embora tenha predisposição natural para jogar na ala direita, pode jogar como segundo avançado ou à esquerda. É um bom transportador da bola, graças a um interessante controlo em velocidade, à iniciativa e ao facto de não temer o risco. Tecnicamente evoluído, apesar da ilusão de desconchavo que a sua passada larga transmite, é apto no 1 para 1 e ensaia o competente remate do seu pé direito sempre que possível. Culto na movimentação ofensiva, tem boa chegada à zona de finalização e, por isso, faz alguns golos e assistências. É criterioso no passe e mentalmente ágil a encontrar a melhor solução para soltar a bola. Se for capaz de elevar o padrão do seu pique e potência, pode tornar-se um caso sério de futebolista de transição, à imagem da definição moderna de jogador de corredor. Não é futebolista para estar perdido na segunda divisão do futebol holandês e certamente mudar-se-á, no próximo verão (e depois do Mundial) para outro emblema.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

terça-feira, 13 de maio de 2014

Sugestão musical

Janelle Monáe
Heroes
(David Bowie)

Observação de jogadores: Morgan Sanson

Morgan Sanson (Montpellier)

Embora tenha tido um percurso praticamente desconhecido até chegar à primeira equipa do Le Mans, em 2012/13 (com 17 anos), passando a justificar presença regular nos sub-19 da França, Morgan Sanson é, hoje, um dos mais cobiçados talentos da nova geração do seu país. Quando chegou ao Montpellier, no ano seguinte, já motivava a atenção dos olheiros por toda a Europa e rapidamente se estabeleceu como um dos regulares em La Paillade

Com uma maturidade táctica invulgar num miúdo de dezanove anos, é um talento inato para descobrir soluções ofensivas,  exemplo de centro-campista moderno e completo: participa na defesa (não sendo um recuperador natural, é capaz de resgatar a posse de bola), é culto na leitura posicional do jogo e nos equilíbrios entre o momento defensivo e ofensivo e apto na construção em posse de bola. É um médio criativo e uma das suas principais virtudes é o passe. Não sendo um futebolista fisicamente rápido, empresta velocidade ao desdobramento ofensivo da equipa através da precisão do passe longo e da inteligência com que arquitecta as transições e as saídas de zona de pressão. Como dextro, tem apetência natural para cair à direita de uma segunda linha interior do meio-campo, embora se sinta muito bem no espaço central ou, menos vezes, na interior esquerda. Temporiza muito bem o momento de soltar a bola, ora usando o passe longo para a fazer chegar rapidamente ao espaço de ataque, ora apelando aos recursos técnicos que possui para aguardar o melhor momento de saída, em função do posicionamento do colectivo. Um dos grandes médios da sua geração e com capacidades para tornar-se, nos próximo anos, um dos melhores futebolistas europeus, assim seja capaz de evoluir.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Observação de jogadores: Tonny Vilhena

Tonny Vilhena (Feyenoord)

O apelido vem da ascendência angolana do seu pai. É um produto das escolas de formação do Feyenoord, onde chegou em 2003. Rapidamente escalou as várias etapas das equipas nacionais holandesas, sendo internacional em todos os escalões até aos sub-21. No decurso desse trajecto, foi duas vezes campeão europeu de sub-17 (2011, 2012).

É hoje um titular indiscutível do principal clube de Roterdão e um dos valores seguros da nova geração holandesa. Culto na posição de médio centro, é sobretudo como médio de segunda linha que faz valer os seus créditos: criatividade, excelência no lançamento longo e boa saída de zona de pressão. É um médio moderno, inteligente e elegante, um improvisador e um inventor de oportunidades de golo. Além disso, tem boa chegada à zona de finalização e faz golos com relativa frequência. Respira melhor se não estiver amarrado a uma disciplina táctica muito rígida, no sentido de melhor aproveitar o critério de organização, a noção de distribuição do jogo para zonas com maior fluidez de saída - chama a contento os corredores laterais ao jogo - e a assertividade das suas iniciativas. Não sendo um médio de inato recorte defensivo, compromete-se bem nessa missão quando a ela é chamado e não vira a cara à luta, a despeito de ser um jogador tecnicista e, por natureza, menos dado ao choque e à dimensão física do jogo. Titular dos sub-21 da Holanda, está à porta da selecção principal e de uma transferência para outro emblema no espaço europeu. 

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

Robocop



terça-feira, 6 de maio de 2014

Eels - The Cautionary Tales of Mark Oliver Everett


7,8/10
E Works, 2014

Quando o êxito tocou os Eels, já Mark Oliver Everett (o sr . "E") era experimentado nas lides musicais a solo, sobretudo em razão de um par de edições razoavelmente bem aceites e que acabaram por constituir o embrião original do que viria a ser uma das mais veneradas (e ubíquas) trupes da música americana, a ponto de cada edição discográfica ser um acontecimento de proporções relevantes. Com a voz chamuscada de E., os conteúdos líricos suficientemente assombrados para encher páginas de qualquer tese de psiquiatria ou até a invulgaridade da mescla sonora que professavam, os Eels reuniam todos os condimentos para se tornarem um quase imediato objecto de culto do rock alternativo. E assim aconteceu, com a crescente massa de seguidores a ver-se recorrentemente surpreendida com cada tomo forjado por E. e seus pares no estúdio de gravações, tornando virtualmente impossível arrumar-lhes a proposta musical num estilo estanque. Eles até deram uma ajuda, por altura do segundo álbum, em 1998, sugerindo no título uma bizarra classificação: electro-shock blues. Na falta de melhor, o universo de sons do grupo tinha sentido sob essa designação, ou não fossem os blues um fio condutor que se tornou transversal à discografia (veja-se em quantos títulos de canções eles utilizam a palavra "blues") e aceitava contaminações oriundas de outras famílias de som, com inventividade nas secções rítmicas e um indisfarçável apreço por apontamentos excêntricos em cima da medula acústica quase sempre presente. Nada de muito convencional, portanto.

A um par de anos de completar vinte de edições discográficas, a música dos Eels é um produto em estado maduro da sua evolução e, ainda assim, retém o pulsar emergente do começo. A deriva de Mark Oliver Everett pelos seus demónios mentais e facturas emocionais por pagar é um processo efervescente, dinâmico e indomável e, por isso mesmo, assume inúmeras caras, embalos e ritmos. Do espampanante ao despojado, cabe tudo. Até um disco de baladas. Elas que sempre mereceram espaço na discografia do grupo, como uma variável estrutural indispensável à identidade musical de E., têm aqui tempo de antena por inteiro, sem a máscara da extravagância. E quando um escritor de canções tão versátil deixa de lado os artifícios que, afinal, são parte importante do seu cardápio, expondo-se indefeso ao escrutínio de tantos que se habituaram a senti-lo atrás desses caprichos de produção (ou até da acidez de certos momentos), é como se de uma prova de autenticidade se tratasse: as minhas canções são isto, depois ponho-lhes aquilo. E isto, o que vem em The Cautionary Tales of Mark Oliver Everett, é pessoal e é bom, repescando os sabores conhecidos do som acústico com arranjos de cordas (muitas vezes presentes na discografia dos Eels) e desviando-se da rota adivinhada no eléctrico Wonderful, Glorious, do ano transacto. Não havendo nada de substancialmente novo nesta linguagem musical amadurecida pelo tempo, sobra o conforto da visita a um lugar conhecido. Mesmo quando as luzes garridas cedem lugar ás sombras.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

O caso Fernando: a conjuntura da transnacionalidade


Por uma questão de princípio, sempre torci o nariz à utilização de jogadores naturalizados nas selecções nacionais. Não se trata de ser um patrioteiro bacoco, mas sobretudo de ter presente a definição estrutural que defendo no enquadramento do que deve ser uma selecção nacional. Além da inevitável visão de circunstância, presa às necessidades pontuais de cada momento, entendo que uma selecção nacional deve ser pensada com horizontes temporais largos e alicerçada em lógicas de renovação que permitam manter qualidade ao longo do tempo, ao invés de sucessos passageiros. E ter esta concepção de gestão de uma selecção nacional não é compaginável com a utilização de jogadores naturalizados que, a despeito de adquirirem os direitos legais de cidadania e, por isso, se tornarem elegíveis para jogar, acabam por tapar alguns dos lugares desse processo de renovação. Convém lembrar que um jogador naturalizado não estará em condições de estrear pela selecção do país acolhedor antes dos 25/26 anos (à luz da legislação sobre nacionalidade). Ao chegar ao espaço dos convocáveis, com essa idade, um futebolista naturalizado estará, no limite, a fechar a vaga aos jovens emergentes (na faixa 19-25) e atrasa a renovação que se imporia normalmente, caso não houvesse a alternativa de recurso aos naturalizados. Em simultâneo,  a convocação de naturalizados quase sempre é uma solução de emergência, no intuito de suprir lacunas de momento. Ora, gerir uma selecção nacional nestas premissas conjunturais não é bom caminho. Pode resultar no momento, é verdade, mas dificilmente alumiará rotas de um futuro consolidado, bem preparado e sustentado para o êxito. Abordar um problema estrutural num prisma de momento é iludir em vez de resolver. Imaginemos que Diego Costa tinha nacionalidade portuguesa e, ao invés de jogar pela selecção espanhola, poderia jogar por Portugal. Seria certamente convocado e prefiguraria uma solução imediata para uma posição historicamente deficitária no futebol português. Mas seria isso um contributo para, em momento futuros, não ressurgir o mesmíssimo problema? Ou camuflaria temporariamente a lacuna, fintando a urgência de encontrar uma solução que melhor defendesse os interesses vindouros da selecção?

Não está em causa a aquisição plena de direitos de cidadania por futebolistas naturalizados. Legalmente, são tão portugueses quanto os outros e devem ser tratados como tal. A minha única reserva prende-se com a defesa de um modelo estrutural, pensado para preparar o sucesso continuado, por oposição à busca de soluções de conjuntura.

Todavia, o caso Fernando suscita também considerações de outro nível. A quem interessou apurar junto da FIFA a possibilidade de o jogador do F.C. Porto jogar por Portugal quando resultava claro dos regulamentos que o não podia fazer? A quem aproveitou o arrastamento desta expectativa, sabendo-se que Fernando havia representado o Brasil em jogos oficiais, sem ter dupla nacionalidade, e, em razão disso, jamais poderia representar outro país? Os únicos casos, no orbe futebolístico, em que um jogador representa mais do que um país acontecem apenas em duas circunstâncias:

- ou o jogador já tinha dupla nacionalidade quando representou uma determinada selecção nos escalões mais jovens e pode, noutro momento e em escalão diferente, optar por outra nacionalidade de que seja titular;

- ou o jogador não tinha dupla nacionalidade no momento em que representou uma determinada selecção e fê-lo apenas em jogos não oficiais (amigáveis), podendo depois jogar pela selecção de outra nacionalidade entretanto adquirida (é este o caso de Diego Costa, por exemplo).

Não há qualquer dúvida de que Fernando não podia jogar por Portugal. Os regulamentos são taxativos e absolutamente claros. Quem pediu o esclarecimento da FIFA e em defesa de que interesses? Paulo Bento não esclareceu a questão em recente entrevista à RTP. E o assunto vai morrer como um não-assunto, sem se saberem a fundo quais as suas verdadeiros motivações e meandros.


PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

domingo, 4 de maio de 2014

Observação de jogadores: Saúl Ñíguez

Saúl Ñíguez (Rayo Vallecano)

Apesar de ter nascido na Comunidade Valenciana (Elche), mudou-se para o Atlético de Madrid antes de completar quatorze anos, depois de uma breve passagem pelos primeiros escalões do Real Madrid. Com um passado consistente na selecção espanhola, tendo sido internacional em todos os escalões, é hoje um regular dos sub-21 e um dos valores mais cobiçados do futebol espanhol. Na temporada 13/14 foi emprestado pelo Atlético de Madrid ao Rayo Vallecano, assumindo-se como uma das referências da equipa. Estará de regresso ao Atleti na próxima estação, mas já se fala da cobiça de grandes emblemas do futebol europeu.

Embora possa ser utilizado no centro da defesa, é no meio-campo que o seu futebol ganha outra dimensão, seja como pivot único ou como médio de segunda linha. Vem-se destacando na posição seis, graças a um sentido posicional apurado, alicerçado em duas características indispensáveis ao médio defensivo moderno: correcta interpretação da dinâmica do jogo e cobertura eficaz da sua zona de acção. É um bom organizador, podendo assumir a incumbência da primeira fase de construção, em razão dos processos simples que aplica, da inteligência a mudar o centro do jogo e em tirar a bola das zonas de pressão. É ágil a decidir e criterioso na hora de entregar a bola. Tem bom toque, gosta de jogar de cabeça levantada e é um pêndulo táctico: não se entusiasma amiúde em incursões ofensivas, preferindo assegurar o equilíbrio posicional da equipa. Um valor seguro do futebol espanhol e que está preparado, depois do tirocínio em Vallecas, para outro nível de exigência. 

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

Observação de jogadores: Richairo Zivkovic

Richairo Zivkovic (Groningen)

Oriundo dos escalões de formação do Groningen, rapidamente progrediu até a primeira equipa, por força das impressionantes capacidades físicas e técnicas. Estreou-se pela equipa principal do Groningen em 2012, então com 16 anos e dois meses. Em Agosto de 2013, em encontro da Eredivisie contra o NEC, tornar-se-ia o mais jovem marcador de sempre do clube, com 16 anos e 10 meses, destronando o anterior detentor desse registo, Arjen Robben.

Com apenas dezassete anos (!), é presença regular do onze do Groningen e um dos principais valores emergentes do futebol holandês, titular da selecção de sub-19. Tem raízes na Sérvia e na ilha de Curação, nas Antilhas Holandesas, mas nasceu na Holanda. Apesar do 1,86 mt de altura, é ágil e muito inteligente na desmarcação. Tem bom controlo de bola em velocidade e isso faz dele um avançado móvel, apto nos movimentos de transição e nas rupturas. Dá verticalidade ao jogo, com processos simples, oportunismo e uma invulgar maturidade posicional para a sua idade. Surge quase sempre bem colocado e, não sendo um goleador puro, tem a espontaneidade própria de um bom finalizador. Se evoluir como se espera, pode tornar-se um dos grandes jogadores europeus dos próximos anos. Para já, tem transferência assegurada para o Ajax, a partir de Julho de 2014.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM



Sugestão musical

We Have Band
Someone
Movements (2014)

Memórias do cinema

Orson Welles, Charlton Heston
Touch of Evil 
1958

A árvore vermelha

Piet Mondrian
Avond (Evening) : The Red Tree
1910