segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sun Kil Moon - Benji


8,4/10
Caldo Verde/Popstock, 2014

O fino recorte da música de Mark Kozelek é, hoje, uma firme instituição do que vale a folk americana de feição intimista. O exercício recorrente de revisitação da sua própria intimidade pessoal, tangencialmente abordada nas personas musicais que vem subscrevendo desde o começo do percurso musical, é um fio condutor reconhecido pela crítica e por imensos melómanos que lhe são fiéis. Depois de terminada a  experiência de mais de uma década com os Red House Painters - que, de resto, lhe deu alento para aventurar-se a solo e redescobrir a dimensão misantrópica da guitarra acústica -, a caminhada individual escancarou dois pilares nucleares à significância da sua música: a tradução moderna da Americana e essa ansiedade autoconsciente de personalizar musicalmente o seu baú de pequenos dramas. Também por isso, a sua música foi sempre muito pessoal, mesmo quando repescou material de outros (AC/DC, Modest Mouse, entre outros) e o fez seu, no registo imediatamente reconhecível de confissão assombrada. A fundação dos Sun Kil Moon, no rescaldo dos Red House Painters e com alguns desses companheiros de estrada, permitiu-lhe a alternativa de, aqui e ali, emprestar às suas ideias a orgânica que a solo não produzia, embora se tenham, depois, baralhado caminhos, a ponto de, mesmo como Sun Kil Moon, ter gravado música a solo. Seja como for, a extensa discografia de Kozelek assenta nessa transversalidade e Benji é o sexto trabalho cunhado como Sun Kil Moon.

E é feito da mesma transparência céptica que transformou Kozelek num poeta do pragmatismo e da adversidade, aqui claramente levada a extremismos conceptuais, ou não estivesse o álbum pejado de histórias de luto, de vidas sangradas e de almas desafortunadas no limite. E, no meio desse negrume planante, mora uma estranha luz, uma redenção inesperada e silente. Esse raro assomo de esperança - que nunca deixa de ser pragmática, bem entendido - faz de Benji um dos discos mais negros e simultaneamente mais luminosos de Kozelek. Há nessa ambivalência uma certeza: mais do que olhar para dentro de si, o cantautor do Ohio, reconhece os caracteres que o rodeiam, as suas histórias, os seus desalentos e as vitórias que se escondem nas sombras da vida. Com quarenta e sete anos, Kozelek fez as pazes com o universo. E deu-nos alguma da sua melhor música. Adivinha-se um sorriso tímido atrás da melancolia.

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