terça-feira, 30 de novembro de 2004

!!! - Louden Up Now

Apreciação final: 7/10
Edição: Junho 2004


Louden Up Now é o novo projecto do octeto !!! (supostamente o nome da banda pronuncia-se chk chk chk). Os !!! nasceram do desmembramento dos Yah Mos e, ao invés de seguirem o mesmo enquadramento sonoro, viraram-se para música mais dançável, com batidas apelativas e estruturas melódicas exuberantes e energéticas.

Frequentemente associados ao mesmo movimento dos Radio 4 ou dos Rapture, os !!! partilham a mesma doutrina, colhem as influências do funky-punk dos anos 80 (os sinais de Clash e os Talking Heads pululam por aqui) e convertem-nas num dance-punk revivalista. Além disso, o discurso é político, orgulhosamente anti-Giuliani, anti-Bush e anti-Blair.

O resultado é um registo valioso, sofisticado, recheado de raivas moderadas, com imensa criatividade, disseminada pelas faixas do disco. Um autêntico clássico da mais hodierna música independente, verdadeiramente único, de excelência na produção e altamente aconselhável. A ouvir com muita insistência.

Johnny Cash - My Mother's Hymn Book

Apreciação final: 7/10
Edição: Abril 2004


Mais uma das edições póstumas da obra de Johnny Cash, My Mother's Hymn Book é exactamente aquilo que o título anuncia: uma colecção de canções que a sua mãe cantava.

O formato é simples: a voz barítona e profunda de Cash, a guitarra acústica em fundo e canções desataviadas e melancolicamente belas. Nas notas do próprio autor para o disco, Cash afirma ser este o seu registo preferido. Do alinhamento não constam temas originais mas as canções escolhidas marcaram decisivamente o cantor e são aqui apresentadas de forma sentida, numa veneração honesta. Apesar de não ser o último disco editado de Johnny Cash, My Mother's Hymn Book apresenta, com uma singeleza enternecedora, as raízes que levaram Cash a interessar-se pela música e perfaz, em simultâneo, o requiem mais justo a um dos grandes músicos do nosso tempo.

Le Tigre - This Island

Apreciação final:6/10
Edição: Outubro 2004


O trio feminista Le Tigre move-se nas directrizes do pós-punk, com imenso glamour, envolvido em tons eclécticos e uma saudável dose de electrónica. Quando This Island foi lançado pela major Universal, editora que é a antítese do movimento riot-girls, a surpresa instalou-se. Seriam os Le Tigre capazes de manter a irreverência dos trabalhos anteriores? A resposta não podia ser mais inequívoca: estes sobreviventes do electroclash construiram o álbum que já queriam ter feito, um registo que esmurraça consciências, mantendo as preferências estéticas dos seus antecessores.

O álbum é irreverente, divertido e honesto, mostrando-nos uma banda que promete feitos maiores para o futuro e que, definitivamente, é uma das surpresas para o ano de 2004. Uma nota de destaque para a lunática versão de "I'm So Excited" das Pointer Sisters.

This Island não é o melhor disco do ano, longe disso, mas é um registo entretido, com bom ritmo, um desatino permanente, em prol da afirmação de um estilo. E os Le Tigre têm muito estilo.

Maria Rita

Apreciação final: 8/10
Edição: Outubro 2003


Maria Rita é filha de Elis Regina e herdou da mãe os gestos, o olhar, o balanço do corpo e o ritmo quente do timbre da voz. Durante o ano de 2004, Maria Rita tornou-se uma das vozes mais populares do Brasil, um dos principais talentos da MPB, temperada com o bom gosto do jazz. Piano, contrabaixo e bateriam juntam-se à voz de Maria Rita, convidam as violas, os violinos e os violoncelos, em alguns temas, na construção de um tomo impressionante, um desfile de canções brilhantes, a maior revelação da música brasileira dos tempos mais recentes. Os parceiros na composição são ilustres: Cláudio Lins, Milton Nascimento, Rita Lee, Zélia Duncan, Lenine, entre outros.

Gosto especialmente do tema "Pagu" (composto por Zélia Duncan e Rita Lee - excelente letra e música).

Recentemente, a cantora foi galardoada com os Grammys latinos para as categorias de revelação do ano, melhor disco de MPB e melhor música brasileira. É preciso dizer mais?

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

Jorge Palma - Norte

Apreciação final: 6/10
Edição: Novembro 2004


Três anos depois do lançamento do último trabalho de originais, Jorge Palma está de regresso. Norte é um disco versátil, mostra um Jorge Palma desdobrado em diversos estilos musicais, colhendo influências da pop, do jazz e mesmo dos blues.

Goste-se ou não, um novo disco de Palma é sempre um momento especial na música nacional, não fosse ele um dos seus principais dinamizadores, com letras irónicas e acutilantes e composições musicais elaboradas e atraentes. Neste trabalho, Jorge Palma parece à procura de novos trilhos para percorrer, de bússola na mão, buscando o Norte no horizonte; a liberdade criativa de Jorge Palma atinge níveis elevados, sem pretensões, o disco assume uma frontal demissão do crivo da crítica, a sua fronteira apenas uma : a música. Ao longo de treze faixas (mais duas escondidas "com rabo de fora", como Palma lhes gosta de chamar) produzidas por Mário Barreiros, o formato a la Jorge Palma é perfeitamente identificável, o piano é o pano de fundo, aceitando a companhia de outras instrumentalizações subtis, sejam elas cordas ou sopros. Ainda assim, não deixa de se instalar algum desapontamento...as canções são boas, mas não tão boas assim! O desfile dos temas do disco assemelha-se a uma lista de promessas por cumprir, a frases sem o remate final. Em tempos idos, ao corpo da música, Palma juntava uma alma própria. Neste Norte as canções mantêm as curvas sedutoras, ostentam-se vaidosamente, mas preguiçam, vagas e sem rumo.

Norte é um teste. Ouvi-lo é perceber os caminhos errantes de Palma. E perceber que para alguém como Jorge Palma o Norte não estava por descobrir, procurá-lo de novo é um desnorte.

Depeche Mode - Remixes 81-04

Apreciação final: 7/10
Edição: Outubro 2004


Lançado em formato triplo, este Remixes 81-04 pretende ser uma recolha extensa das inúmeras versões e remixes da obra dos britânicos Depeche Mode. O registo é bem conseguido, embora fosse preferível reduzi-lo ao formato duplo. Uma prova da influência que os Depeche Mode tiveram está na lista de participantes: François Kevorkian, DJ Shadow, Underworld, Goldfrapp, Kruder & Dorfmeister, Timo Maas, Air, Colder, Adrian Sherwood e Danny Tenaglia, entre muitos outros.

O alinhamento é demasiado extenso para manter a coesão que se exigia, definitivamente algumas faixas não deveriam ter sido incluídas neste trabalho. Ainda assim, merecem ser destacadas as versões de "Policy Of Truth" (Kevorkian), "Home" (Air), "Personal Jesus" (Kevorkian), "Useless" (Kruder & Dorfmeister), "In Your Room" (Jonny Dollar) e "Dream On" (Dave Clarke).

Remixes 81-04 é um testemunho inequívoco da modernidade dos Depeche Mode e vai trazer o som do grupo aos frequentadores das discotecas e clubes.

Spiderbait - Tonight Alright

Apreciação final: 5/10
Edição: Agosto 2004


O trio australiano Spiderbait tornou-se uma das mais emblemáticas bandas dos anos 90, graças ao seu caótico rock revivalista, com injecções do mais puro punk de garagem.

É verdade que o seu som não é muito inovador, segue pistas valiosas de outros projectos do género mas Tonight Alright consegue ser um registo meritório. Uma nota de destaque para a improvável cover de "Black Betty", um original de Leadbelly.

Provavelmente os Spiderbait não atingirão o estatuto dos seus compatriotas The Vines ou Jet, mas merecem seguramente ser ouvidos. A fusão da estrutura melódica do punk com batidas mais eletro, acordes decididamente retro e irreverência q.b. pode não ser brilhante mas Tonight Alright é um disco que vale a pena ouvir.

domingo, 28 de novembro de 2004

Monty Python - E Agora, Algo Completamente Diferente! (Filme, 1971)

Apreciação final: 7/10

Os Monty Python foram a mais franca evidência de que a demência anda de mãos dadas com o génio. Durante anos, a famosa série televisiva Monty Python's Flying Circus cativou gerações de públicos diferentes, de todas as faixas etárias, raças, religiões ou sexos. Os Monty Python personificavam um supremo exercício de humor excêntrico, deliciosamente libertino e sem limites à invenção que marcou uma época na televisão, primeiro, no cinema, depois. Este registo em DVD, lançado recentemente no mercado nacional, é uma recolha dos momentos mais especiais dos dois primeiros tomos da série Flying Circus, gravados em 1971, e onde podemos ver no seu melhor os consagrados John Cleese, Eric Idle, Graham Chapman, Terry Jones e Michael Palin.

Do versátil rol de sketches fazem parte excertos tão lunáticos quanto as aulas de auto-defesa contra ataques com peças de fruta, o bando de velhotas delinquentes, a delirante expedição ao Kilimanjaro, um papagaio morto, o sádico tocador de órgão de ratos, o escritor de anedotas que morre com a sua melhor criação (que há-de servir como arma na Segunda Guerra Mundial!), os carros assassinos que pretendem "limpar" a cidade de Londres dos peões, o garfo sujo no restaurante de luxo que leva à loucura o seu staff, o ladrão de bancos que assalta uma loja de lingerie, o enfadonho contabilista que quer ser domador de leões, o programa de T.V. que chantageia os espectadores a troco da não revelação de factos comprometedores da sua vida pessoal, a indescritível competição desportiva de eleição do idiota do ano, entre outros, sempre apimentados por originais momentos animados de arte pop, uma das imagens de marca dos Monty Python.

O desfile de talento do quinteto de cómicos britânicos é imparável, o entretenimento está assegurado. Vale sempre a pena recordar os Monty Python, os reis do nonsense. E agora, algo completamente diferente...

sexta-feira, 26 de novembro de 2004

Ed Harcourt - Strangers (CD, 2004)

Apreciação final: 8/10

Depois de ser promovido ao estrelato com From Every Sphere, o ex-líder dos extintos Snug regressou este ano, com novo álbum de originais. Se aquele trabalho tinha consagrado um género musical multi-instrumental de indie-pop madura, este Strangers dá continuidade a essa configuração, alastrando-a em doze canções de nível seguro. O disco manifesta uma linha exímia de criatividade, com espaço para faixas tão desiguais quanto autênticas, cada qual com um intento peculiar, feito de composições altivas, de som limpo e acolhedor, trazendo o talento de Ed Harcourt a degraus superiores.

Falar de Ed Harcourt é mencionar um dos melhores compositores do nosso tempo. Esse estatuto deriva directamente das canções simples mas brilhantes, com influências de Nick Drake, Tom Waits, Ryan Adams, aqui e ali Neil Young ou Radiohead, e um cunho pessoal original. Da lista de ingredientes do registo constam guitarras inspiradas, pianos q.b., batidas que serenamente se fazem convidadas e o virtuosismo de um compositor adulto, capaz de fundir a intimidade das suas letras com uma ambiência rock gentilmente construída. Adoro "Something To Live For" (Tom Waits deve apreciá-la), "Strangers", "Born In The 70's", "Trapdoor" e "The Music Box".

Strangers é a cabal demonstração de um engenho genuíno, um tomo consistente de grandes canções, suficientemente versáteis para ornarem este título com a justa distinção de um dos melhores do ano.

The Great Lesbian Show - Psykitsch Kaleidoscope (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Os The Great Lesbian Show são um excêntrico projecto musical nacional, liderado pela ex-Pop Dell'Arte Ondina Pires. Definir o seu som não é tarefa simples; é um cocktail explosivo de rock'n'roll, de música experimental, de onomatopeias e grunhidos com o propósito da dissonância, de sons cabaret, de ambientes Hollywood, de ruídos indecifráveis e um contida dose de saudável loucura. Pskykitsch Kaleidoscope é um apanhado disso, assume uma estética libertina, uma miscelânea desconcertante, em equilíbrio desafiado teimosamente pela gravidade, numa corda bamba que é um turbilhão de energias vorazes e criatividade insaciável.

O objectivo? Não há pretensões, apenas o saboroso gosto da descoberta. O disco? Estranho, invulgar, insano. Afinal, também se inventa música em Portugal.

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

Fantômas - Delirium Corda (CD, 2004)

Apreciação final: 8/10

Estamos acostumados aos reptos ambíguos dos Fantômas. A sua música é criativa, procura novos trilhos sonoros, percorre mares nunca dantes navegados. Desta vez, a proposta é um disco com apenas uma faixa, cerca de setenta e cinco minutos contínuos no mesmo tema! O inédito é também maravilhosamente excêntrico: de loucura ou genialidade?

Antes de escutar o disco, perscrutei o booklet e avistei inúmeras imagens de actos médico-cirúrgicos. Qual o sentido? Com o disco a rodar, sente-se a agitação convulsiva de uma atmosfera cinematográfica que nos remete para o imaginário dos filmes de terror. Aqui, ficamos rendidos por setenta e cinco minutos, não há escapatória possível, a redenção passa pela afronta ao medo. O assomo é demais veemente, aprisiona-nos em feitiços encantatórios, o fascínio do oculto seduz-nos a seguir o escuro. E os Fantômas levam-nos numa incursão por mundos ignotos, perdidos nos esconsos do sonho, feitos realidade em sequências melódicas coesas, que integram com apuro os dislates geniais do grupo. A tensão é permanente, o arrebatamento atroz reside até ao fim do disco e fica em suspenso, em espasmos maravilhados, sem destino definido. Tudo termina numa hesitante agulha, pousada num vinil, incessantemente debitando a ânsia de continuar.

Além das instrumentalizações normais de uma banda de metal, os Fantômas recorrem a pitadas esparsas de sons dissimulados, a correrem no fundo, como demónios observadores.

O disco é mais um excelso trabalho do quarteto Fantômas. Mike Patton (ex-Faith No More), Buzz Osborne (Melvins), Dave Lombardo (Slayer) e Trevor Dunn (Mr. Bungle) volam a traçar rumos distintos: Delirium Corda é a pintura musical dos medos ansiosos e dos suores frios da alma. E toca-nos profundamente. Delirium Corda é um tomo fundamental do experimentalismo sinistro e funéreo dos Fantômas.

Q And Not U - Power (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Classificar a música dos americanos Q And Not U é falar de construções com um sistema complexo, entre o indie-rock e o pós-punk, com batidas dançáveis. Alguns preferem pôr-lhe o rótulo de dance-punk. Esquecendo essas minudências de seriação, a música deste grupo aceita as influências da disco sound dos anos 80, consentindo-lhe uma abordagem diversa, rica de versatilidade, em permanente renovação.

Power é o terceiro álbum de estúdio dos Q And Not U e revela nova fase de maturação da banda, manifestada num alinhamento ecléctico, de rotulação controversa, na linha evoluída dos Radio 4 ou dos !!!. Se a aposta nos elementos electrónicos tem sido mais robusta, o disco seria dos melhores deste ano. Ainda assim, a solidez do som deste projecto é evidente, deles se espera sempre a suprema qualidade, com entretenimento garantido. O registo transborda uma onda positiva contagiante e reflecte a energia esfuziante da banda, especialmente vertida nos temas "Wonderful People" e "Collect the Diamonds".

Não sendo um disco genial, Power é um trabalho que merece uma escuta atenta. Passo a passo, os Q And Not U continuam a cimentar a sua posição como um dos mais promissores conceitos da música americana.

Monstro (Filme, 2003)

Apreciação final: 7/10

Baseado na biografia dramática da prostituta Aileen Wuornos, uma das primeiras mulheres serial killers dos EUA, este Monstro é uma fita intensa, uma meditação aguda sobre os abusos físicos, a violência, o sofrimento. É também, em jeito subliminar, um toque ao reunir de consciências sobre a legitimidade da pena de morte.

O argumento invade a mente da homicida, conta-nos a sua história na primeira pessoa e, sem aligeirar culpas pelos delitos, exibe a desumanização na génese de uma assassina cruel.

Aileen Wuornos teve uma infância marcada pelos abusos e pela droga. Começou a prostituir-se aos treze anos. O enredo do filme centra-se no período de nove meses em que Aileen manteve uma relação lésbica com uma jovem.

A interpretação de Charlize Theron é do melhor que se viu na história da sétima arte (Óscar justíssimo!), bem secundada por Christina Ricci. A realização é de bom nível, suportada por um argumento hábil.

Monstro é uma reflexão sobre a frágil natureza da humanidade. E essa debilidade, mostrada aqui com uma aparente desfaçatez, deixa-nos atordoados. O mundo real, às vezes, é assim...

The Paper Chase - God Bless Your Black Heart (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

O trio texano The Paper Chase oferece-nos um som único, dissipado entre um jazz vanguardista, acolhendo o imo do indie, em fusão com um rock sujo e tétrico, onde se saracoteia uma voz elástica, em catarse de desejos de vingança frustrados. O que sobeja são bramidos hostis, cordas exuberantes, pianos de cabaret, alguns samples e interjeições precisas de guitarra. O disco torna-se uma terapia estranha, angustiada e alucinada para as depressões.

Este trabalho não é imediatamente apreensível, as virtudes estão escondidas atrás do manto da perseverança; só resistindo se descobre a essência dos The Paper Chase: não é o sétimo céu, mas também não é o inferno. Se é open minded gostará de apreciar, no tardo passar dos minutos, o talento não ortodoxo, verdadeiramente emo, deste grupo.

Mata Ratos - És Um Homem Ou És Um Rato? (CD, 2004)

Apreciação final: 3/10

Mata Ratos é Mata Ratos. Punk rudimentar, pretensamente divertido, sarcasmo q.b. e uma dose generosa de insurreição, muitas vezes a descambar para um mau gosto descabido. É preciso dizer mais?

Clinic - Winchester Cathedral (CD, 2004)

Apreciação final: 5/10

Os Clinic são um quarteto de Liverpool caracterizado por um som alternativo, na linha do pós-punk de garagem, com alguns traços de dub e pop . Winchester Cathedral é o seu terceiro registo e talvez o menos bem conseguido da sua carreira. Além de errarem a captação das glórias passadas, os Clinic parecem ter corrompido a chama que tornava o seu trabalho interessante. A banda perdeu a face negra, a introspecção criativa, a inventiva amamentação da criação. Aqui, soam a degenerescência, apesar de algumas faixas serem regulares ("Home" e "The Magician" honram o nome dos Clinic), salvando o disco do fracasso inteiro.

Winchester Cathedral não é mau, está longe de ser bom, é enfadonho. E quando um disco aborrece, não resiste muito tempo no leitor de cd's...

Steve Earle - The Revolution Starts...Now (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Depois de uma fase mortificante, manchada pela adição às drogas ilícitas e por uma estadia na prisão, Steve Earle retorna com The Revolution Starts...Now, um prolífico e eficiente manifesto de puro activismo político. O disco é profundamente dominado pelas circunstâncias da política internacional, pela guerra no Iraque e pelas incursões militares do regime de Bush.

As canções são histórias curtas, relatos escritos com mestria, versando a insignificância do indivíduo, face aos senhores da guerra. Além da política, o registo é um tomo de composições irreverentes, vogando em parte incerta, entre Petty, Rouse, Springsteen, Lanegan e Young, com uma dose de zombaria oportuna e sarcasmo provocador. O resto é feito pela argúcia de um artista consagrado, um músico experimentado e um escritor de canções de méritos reconhecidos. Chama-se Steve Earle. A gama sonora varia do country puro ("Home To Houston"), ao rock e ao reggae ("Condi, Condi", dedicada a Condoleeza Rice).

Os destinatários do álbum: apreciadores de boa música e...George W. Bush!

quarta-feira, 24 de novembro de 2004

Eagles Of Death Metal - Peace Love Death Metal (CD, 2004)

Apreciação final: 8/10

Os Eagles of Death Metal são mais um projecto paralelo de um dos membros dos Queens of The Stone Age., neste caso o vocalista Josh Homme, aqui na bateria, apresentado no disco pelo alter-ego Carlo Von Sexron. A curiosidade em torno deste grupo começou no festival Lolapalooza de 2003, quando Homme,durante uma actuação dos Queens, utilizou uma t-shirt dos Eagles Of Death Metal. Aproveitando uma pausa na actividade dos Queens Of The Stone Age, na ressaca do enorme sucesso de Songs For The Deaf, foi lançado este Peace Love Death Metal.

Não se deixem iludir pelo nome, nada nesta banda é death metal. O rock'n'roll dita as leis, as composições baseiam-se em riffs de guitarra cativantes, com batidas ritmadas que obrigam os ossos a mexer. Há aqui inspirações óbvias nos Stones, em Iggy Pop e Stealer's Wheel (ouvir a versão de "Stuck In The Middle With You" re-baptizada "Stuck In The Metal"). Basicamente, os Eagles Of Death Metal soam a puro entretenimento, têm talento a rodos e são uma agradável surpresa para o panorama do rock, permanentemente carenciado de novas referências e edições com mérito. Peace Love Death Metal é uma delas.

Audição durante horas a fio é o que se recomenda... Um dos melhores discos deste ano.

A Perfect Circle - Emotive (CD, 2004)

Apreciação final: 5/10

O projecto A Perfect Circle derivou da experiência conjunta de James Maynard Keenan e Billy Howerdel nos Tool. Se estes marcaram os anos 90 com o seu art-rock único, bordado pela desconstrução dos temas, sem um tecido rígido, os A Perfect Circle registam uma fórmula diferente, embora com idênticas regras de composição. Ainda assim, as canções são mais precisas e na estrutura tradicional de verso-refrão-verso-refrão, o que não acontece nos registos dos Tool.

Este Emotive é um disco de versões, uma colheita de temas de protesto político travestidos pelo formato dos A Perfect Circle. E aqui reside o problema essencial do disco, uma vez que as faixas eleitas têm origens dissímeis do grupo de Keenan. Disso resulta o facto de que as doze canções do alinhamento são praticamente irreconhecíveis, não fossem por demais conhecidas as versões originais. A título de exemplo, o tema "Imagine", de John Lennon, toma aqui uma afinação lúgubre, num tom funéreo, desajustado do fito primaz da canção.Também a famosa "What's Going On", de Marvin Gaye, é transfigurada num psicadélico exercício de puro rock industrial. As faixas mais aceitáveis são "When The Levee Breaks" (Led Zeppelin) e "Fiddle And The Drum" (Joni Mitchell). Uma nota para mencionar a presença de dois originais, "Passive" e "Counting Bodies Like Sheep To The Rhythm Of War Drums" (uma fusão de Pink Floyd com Marilyn Manson - interessante!).

Emotive é definitivamente um retrocesso no percurso dos A Perfect Circle, apesar da honestidade da proposta. O trabalho pode revelar-se curioso, para quem deseja apreciar a agilidade das covers, mas é um produto musical secundário.

Scarface - A Força do Poder (Filme, 1983)

Apreciação final: 5/10

Realizado por Brian de Palma em 1983, Scarface relata a ascensão do emigrante cubano Tony Montana (Al Pacino) no submundo do crime de Miami. À medida que o negócio da droga cresce, as inimizades, as megalomanias e as inseguranças do gangster começam a minar fatalmente o seu império.

A nota mais convincente deste filme é a interpretação de Al Pacino, irrepreensível como sempre, apoiado por Steven Bauer, posteriormente esquecido em filmes de série-B. O enredo é equilibrado, as interpretações secundárias são razoáveis e a realização é mediana - não é seguramente o melhor filme de Brian de Palma. Uma referência bastante negativa para a banda sonora, de muito mau gosto e perfeitamente desajustada do filme.

Creio que este filme tem sido sobre-avaliado e não fosse o desempenho de Al Pacino e o produto final seria pouco mais do que medíocre. Ainda assim, um filme recomendável para os cinéfilos que apreciam histórias de gangs de droga e a envolvente do mundo do crime.

terça-feira, 23 de novembro de 2004

Rammstein - Reise, Reise (CD, 2004)

Apreciação final: 5/10

Os alemães Rammstein estão de volta. Reise Reise é o seu novo trabalho. Três anos depois de Mutter, é notória a semelhança com o trabalho anterior, mantém-se o acento tónico nas guitarras pungentes, na forte presença da voz de Till Lindemann e nos coros e arranjos orquestrais dramáticos.

De resto, a composição continua a ser rudimentar, assente em estruturas harmónicas simples, refrões tão orelhudos quanto possível, palavras em alemão e quilos de watts. Uma nota de destaque para o segundo single deste trabalho, "Amerika", que não sendo o melhor tema deste disco, contém referências hostis aos EUA, uma afronta aberta ao regime norte-americano, e para o tema "Los" com uma abordagem acústica ao metal.

Definitivamente, este trabalho é mais do mesmo e não trará novos adeptos aos Rammstein. Para os seguidores habituais do grupo alemão, mais um título para a colecção.

Manuel Paulo - O Assobio Da Cobra (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

O músico e compositor português Manuel Paulo, depois de participações em discos de Rui Veloso, Rio Grande, Cabeças No Ar e Ala dos Namorados, aventura-se no primeiro disco a solo. Em O Assobio Da Cobra, assume a parceria com João Monge, célebre letrista nacional, seu companheiro na Ala dos Namorados, e ambos desenham canções de partilha do mesmo imaginário musical. O mote do trabalho é a mulher, com tudo o que ela representa, os afectos e as relações. Segundo notas dos autores, as composições deste trabalho foram surgindo sem qualquer pretensão comercial, pensadas para determinadas vozes. E os convidados são de eleição, uma lista das melhores vozes a cantar em português: Rui Veloso, Arnaldo Antunes, Sérgio Godinho, Zeca Baleiro, Jorge Palma, Dany Silva, Camané, Manuela Azevedo, Arto Lindsay, Tim e Vitorino, entre outros. Se esta lista não é suficiente para convencer os mais cépticos, acresce o facto de no alinhamento do disco estarem canções de muito bom nível, com um sentido estético apurado, uma composição talentosa e harmonias sonoras que nos transportam da primeira à última faixa.

O resultado é pouco menos que brilhante e O Assobio da Cobra revela-se como uma das melhores amostras da música portuguesa deste ano. Apresentado como a banda sonora de um filme por fazer, este disco de Manuel Paulo pode muito bem ser o score musical das nossas vidas. Altamente recomendável, é claro.

Nick Drake - Made To Love Magic (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Nick Drake era um trovador de emoções transparentes, de sentimentos vertidos em canções sinceras, de uma honestidade tão despida quanto a sua percepção estética. Não lhe foi feita justiça em vida, muito por culpa da sua relutância em actuar ao vivo, mas Drake merece um lugar nos recantos mais sombios das nossas memórias, nos espaços imaginários da mais soturna beleza, os mesmos sítios que o inspiravam para as singulares criações musicais que nos legou. Em cada acorde das suas músicas sentem-se a melancolia despojada, as frustrações sentimentais, a profunda depressão que lhe irrompia por entre os poros da epiderme.
Este Made To Love Magic é a resposta editorial à incessante busca de novo material de Drake e corresponde a uma série de outtakes e outras versões de temas que integraram o álbum Time Of No Reply. Porque nem todo o material aqui contido é inteiramente novo, este título tem um valor relativo para os coleccionadores da obra de Nick Drake.

Do alinhamento do disco fazem parte algumas grandes canções como "River Man", "Time Of No Reply", "Clothes Of Sand" ou "Thoughts Of Mary Jane". O formato obedece às regras acústicas, como sempre, e é impossível não gostar deste registo.

Ryuchi Sakamoto - Moto.Tronic (CD, 2003)

Apreciação final: 5/10

Ryuchi Sakamoto é um afamado músico japonês que emergiu nos anos 80 como um dos mais inventivos compositores, tendo participado em diversas bandas sonoras e editado vários registos em disco. Este Moto.Tronic é um apanhado da sua carreira, recolhendo temas dos seus discos mais bem sucedidos.

O trabalho de Sakamoto é comummente associado ao rompimento de fronteiras musicais, à fusão de géneros e culturas musicais. Se é verdade que o seu percurso inclui abordagens à pop japonesa, à clássica, à música experimental, às bandas sonoras e à world music, o díficil é mesmo encontrar um linha de rumo que persista no seu trabalho, que sobrevenha do confronto de estilos vários; esse problema é vício básico deste registo. Juntar no mesmo disco composições de estilos tão radicalmente díspares, além de confundir o ouvinte, baralha o exacto engenho de Sakamoto. Na abertura do disco, ao pop de "Forbidden Colours", seguem-se um instrumental de piano, uma incursão pela música brasileira e um tema da banda sonora de O Último Imperador. Esta irritante propensão para a mistura repete-se ao longo do disco e, se não desvirtua o valor individual das peças do alinhamento, compõe um registo ambíguo, dividido e, consequentemente, confuso.

Moto.Tronic, sendo uma espécie de antologia, não faz justiça ao talento de Sakamoto e é um testemunho desordenado da profícua carreira do músico japonês.

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

Misteriosa Obsessão (Filme, 2004)

Apreciação final: 2/10

Telly Parretta (Julianne Moore) é uma mãe angustiada e profundamente deprimida, em terapia psiquiátrica para superar a perda do seu filho de oito anos, vítima de um acidente de aviação. Quando o marido, Jim Paretta (Anthony Edwards), e o psiquiatra, Jack Munce (Gary Sinise) lhe confidenciam que o filho Sam nunca existiu e que as suas memórias são apenas uma construção da sua mente, Telly sente-se traída. Pelo meio, conhece Ash (Dominic West), pai de uma outra criança desaparecida, com uma história semelhante à de Telly. Os dois partem numa desenfreada missão de busca da verdade, da sua identidade e, acima de tudo, da sanidade que acreditam não ter perdido.

A narrativa revela algum dinamismo, as interpretações são razoáveis, mas o desenlace do filme é ainda mais patético do que o título.

Uma perda de tempo.

Tróia (Filme, 2004)

Apreciação final: 5/10

Recentemente editado em DVD, Tróia é uma adaptação da história épica da Guerra de Tróia, descrita por Homero na Ilíada. O ano é 1193 A.C.. O príncipe troiano Páris (Orlando Bloom) mantém um relação secreta com Helena (Diane Kruger), rainha de Esparta, casada com Menelaus (Brendan Gleeson). A descoberta da afronta adúltera à civilização grega conduz ao conflito, os gregos invadem a cidade troiana. Aquiles (Brad Pitt), o maior e mais sangrento guerreiro, era o herói dos gregos. Heitor (Eric Bana), o filho de Príamo (rei de Tróia) e irmão de Páris, era o símbolo da pertinácia troiana contra a invasão grega.

A sumptuosidade da história merecia um filme melhor, uma obra mais imponente, capaz de render à obra de Homero a homenagem mais ajustada. O argumento deste Tróia é um embuste, desfaz a beleza ímpar do relato de Homero. A maior falha: a quase-preterição dos Deuses. Como pode isso fazer-se num filme sobre a Grécia Antiga? A vida dos gregos (dos troianos também) gravita, na obra de Homero, em torno da determinante influência dos Deuses, da venerada adoração dos crentes pelos entes divinos. Com esta omissão perdeu-se o elemento poético da história, o ingrediente supremo da grandiosidade da obra. Como se não bastasse, são numerosas as imprecisões e os desvios em relação ao texto original, quase sempre para pior.

A realização do alemão Wolfgang Petersen é insipiente, incapaz de "agarrar" as cenas mais importantes do filme e delas criar momentos intensos. O desembarque dos gregos, com a sua gigantesca armada, as próprias sequências da batalha, são reduzidas a pequenas perspectivas, a ângulos desajustados, corrompe-se a magia que se impunha. A fita acaba por ser uma oportunidade perdida para o realizador alemão. É certo que nem tudo é mau, Bana tem um bom desempenho, Pitt também, mas isso não chega para fazer deste filme aquilo que ele deveria ter sido.

A expectativa era grande, a desilusão é bem maior. Fica por fazer "o" filme sobre a Guerra de Tróia. O génio de Homero deve estar a revirar-se no túmulo.

Luke Haines & The Auteurs - Das Capital (CD, 2003)

Apreciação final: 6/10

Luke Haines é um dos mais respeitados compositores do Reino Unido, graças ao seu trabalho com os The Auteurs, ou noutros projectos, como os Black Box Recorder (numa lógica mais próxima das sonoridades downtempo), os Baader Meinhof (um conceito tipicamente funk). Esta edição é uma compilação dos melhores temas do trabalho com os The Auteurs, caracterizados por um som na linha da pop melódica, com canções inteligentes. Contudo, neste Das Capital as músicas foram todas regravadas, com uma nova orquestração, a cargo de uma orquestra sinfónica. A reciclagem dos temas é oportuna, os novos arranjos de cordas assentam na perfeição e conferem um ambiente diferente ao som de faixas clássicas no trabalho de Luke Haines, como "Baader Meinhof", "Starstruck" ou "Future Generation".

As notas internas do disco estabelecem o conceito base deste registo, a hostalgia, uma permanente hostilidade face à nostalgia, de resto, um registo que sempre caracterizou o percurso de Haines. O estilo musical é elegante e irreverente, com algum glamour e os arranjos clássicos são um primor que confere uma nova dimensão à música dos The Auteurs, claramente influenciada por George Harrison e David Bowie, encontrando paralelo em artistas como Stephen Malkmus, os Suede e os Pulp e alguns trabalhos dos Radiohead.

Vale a pena ouvir e descobrir o trabalho dos Auteurs, aqui revisitado com requinte.

To My Surprise (CD, 2003)

Apreciação final: 7/10

Os To My Surprise são um dos mais improváveis projectos musicais que descenderam do estrelato dos Slipknot. Shawn Crahan, também conhecido como Clown, o percussionista daquela banda do Iowa e mentor do conceito To My Surprise, começou a trabalhar neste projecto em 2003, atingindo um som completamente diferente do que seria de esperar de um músico com as suas ligações musicais, integralmente oposto ao dos Slipknot e quase impossível de classificar.

O alinhamento deste disco é ecléctico, vai desde a pop introspectiva e artística, ao mais puro experimentalismo psicadélico, influenciado pelas raízes do metal. O resultado é imprevisto, uma surpresa modelar, numa espécie de aproximação subtil ao rock dos anos 60 dos Beatles, ao psicadelismo dos Faith No More e ao experimentalismo tentador dos Flaming Lips.

Retirado o disfarce do palhaço ensanguentado dos Slipknot, Shawn Crahan revela que há nele algo mais do que decibéis potentes e batidas dominadoras e produz e compõe um disco curioso, polido, interessante e que merece continuidade. A escutar com atenção.

Homicídios Ocultos (Filme, 2004)

Apreciação final: 4/10

A recém-promovida detective Jessica Sheppard (Ashley Judd) descobre-se no centro da sua própria investigação, no primeiro caso de homícidio. A vida errática e promíscua da detective, o sexo ocasional e o álcool, contribuem para as frequentes perdas de consciência de Jessica. As inquietações multiplicam-se à medida que a vida pessoal da agente se mistura com os crimes investigados, quando se descobre que as vítimas foram antigos amantes da detective. A proximidade de John Mills (Samuel L. Jackson), o mentor de Jessica, e Mike DelMarco (Andy Garcia), o seu parceiro policial, vai desempenhar um papel crucial no desfecho do enredo.

O filme não traz nada de novo, recolhe ideias de outros projectos do mesmo género e embrulha-as numa amálgama sem nexo. O resultado é um produto vão, previsível, sem fruição para o espectador. Chamar-lhe thriller policial é conferir um rótulo que Twisted - Homícidos Ocultos não merece. Nem Samuel L. Jackson ou Andy Garcia salvam este filme frouxo.

Bill Evans Trio - Waltz For Debby (CD, 1961)

Apreciação final: 8/10

Falar de Bill Evans é discursar sobre um dos nomes mais importantes do jazz. Neste registo de 1961, ainda na companhia do seu lendário trio, formado com Scott LaFaro (baixo) e Paul Motian (bateria), gravado na mítica Village Vanguard, o músico percorre alguns standards, numa arquitectura harmónica muito equilibrada, na construção sólida de diversos fragmentos melódicos, apresentados em simultâneo, ao ouvido do auditor. Do alinhamento do trabalho fazem parte alguns clássicos, refinados pelo talento de Evans, tais como "My Foolish Heart" (Washington/Young), "Milestones" (Miles Davis), "Detour Ahead" (Carter/Ellis/Frigo) e "Porgy" (George Gershwin).

O som ambiente de pub é notório, condimentando o disco com o ingrediente perfeito para fazer dele um oportuno testemunho do talento ao vivo do trio. Bill Evans marcou (e continua a marcar) o jazz pela profundidade dos seus temas, ao invés do virtuosismo, e compôs algumas das mais lembradas obras em piano, neste género musical. A experiência de Waltz For Debby é fascinante, mostrando composições elaboradas e calmas, óptimas para ouvir em dias de chuva. O som de Evans é cristalino, as notas do seu piano parecem gotas de chuva tocando o leito de um rio; depois há LaFaro, provavelmente o melhor baixista da sua geração, e Motian, discreto e competente, como sempre. Trata-se de um registo recomendável, depois de Sunday At The Village Vanguard, mesmo para quem não é apreciador de jazz.

Ennio Morricone & Dulce Pontes - Focus (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Ennio Morricone é provavelmente o compositor mais falado do século XX, muito por culpa das mais de 500(!) bandas sonoras que compôs. Neste registo, depois de já ter colaborado com a cantora na canção "A Brisa do Coração", para o filme Afirma Pereira, o maestro junta-se à portuguesa Dulce Pontes e recupera alguns dos temas clássicos do seu songbook, aproveitando também temas que fazem parte do património musical de Portugal. De entre as canções retiradas de filmes, destaque para "A Rose Among Thorns" (de A Missão), a arrepiante "Your Love" (de Era Uma Vez No Oeste) e "Cinema Paradiso" (do filme com o mesmo nome).

A orquestração singular deste trabalho, o talento de composição de Morricone, em junção com a voz única da diva Dulce Pontes, conferem a este disco uma grandiosidade ímpar, digna de despertar sumptuosos cenários na nossa mente e fazer recordar momentos esporádicos de magia da sétima arte. Este disco merece ser tratado como um documento solene, um registo soberano da excelência da música, uma ode made in heaven à perfeição da voz. Recomendável, uma obra-prima.

A Naifa - Canções Subterrâneas (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

O projecto A Naifa personifica o mais inventivo conceito musical da música portuguesa contemporânea. O quarteto é formado por Maria António Mendes (voz), Luís Varatojo (ex-Peste & Sida, Despe & Siga e Linha da Frente), João Aguardela (baixo) e Vasco Vaz (bateria).

O formato musical acolhe as raízes da canção popular lisboeta, assente na guitarra portuguesa, feita dos tradicionais timbres lamentosos, aqui hodiernos em simultâneo, abraçados por percussões modernas, promovendo a mais original recriação do fado que alguma vez se deu a conhecer. O requinte das composições é a nota dominante, o bom gosto marca pontos nas onze faixas que compõem o alinhamento, contribuindo para a criação de um dos melhores discos nacionais deste ano.

Os A Naifa trazem-nos um fado novo, remodelado e totalmente original, não sonegando a sua formatação original mas acrescentando-lhe pacíficas pitadas de modernidade que agradarão aos apreciadores da inovação musical e não desiludirão os séquitos do fado mais tradicional. Excelente primeiro disco deste projecto, a prometer façanhas ambiciosas para o futuro. António Variações inovou a música em Portugal, os A Naifa são os senhores que se seguem...

Kings Of Leon - A-Ha Shake Heartbreak (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

O novo trabalho dos Kings of Leon, quarteto de Nashville, segue a linha dos trabalhos anteriores, recorrendo a um rock de garagem, sem pretensões comerciais, arranjado em composições originalmente franqueadas e descomprometidas. As influências são as mesmas, os Stones, Neil Young ou Tom Petty, sempre cunhadas com o som único dos Kings. Depois de Youth And Young Manhood, um registo que redimiu o rock'n'roll e o trouxe a fórmulas revivalistas, este A-Ha Shake Heartbreak prossegue a revitalização da proposta, oferecendo um alinhamento moderado e manso, saborosamente despretensioso e libertino, revelando uma superior maturidade do quarteto. Gosto muito de "King Of The Rodeo", "Taper Jean Girl" e a muito retro "Pistol Of Fire" (J. Fogerty deve adorá-la!).

Quem não conhece os Kings Of Leon tem aqui um ensejo seguro para perceber o porquê da crescente onda de popularidade do grupo nas ondas underground da América. Aqueles que os descobriram no álbum anterior vão perceber que a banda segue viva, cengenhosa e sem medo de buscar o seu espaço.

Jane Monheit - Taking A Chance On Love (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Em 1998, ganhou uma bolsa de estudo do Instituto Thelonious Monk para prosseguir os seus estudos musicais. Dois anos mais tarde, Jane Monheit estava ao nível de Diana Krall, como uma das principais vozes femininas do jazz.

Este é o seu terceiro trabalho em disco e contém canções de Cole Porter, Fats Waller ou George Gershwin. Só por estas referências já valeria a pena escutar o disco, juntem-se-lhes as insignes qualidades vocais de Monheit e o resultado é um registo estimulante, extremamente apelativo e constitui o melhor longa duração da cantora. A matiz sonora do disco contempla alguns standards americanos, balançados pela sensibilidade da pop e pela fértil complexidão do jazz. Na primeira gravação para uma major, no caso a Sony Classical, os convidados são ilustres: Ron Carter (baixo), Christian McBride (arranjos), Michael Bublé (em dueto) e o guitarrista Romero Lubambo.

Uma nota para os excelentes arranjos orquestrais, retendo uma tal simplicidade que consente o relevo da voz de Jane Monheit. As canções são recordações da infância da cantora, associadas aos musicais da MGM e perfilham o formato teatral a que se propõem, ao invés da absorta concepção de estúdio.

Definitivamente, um registo digno de apreço, especialmente aconselhado para os seguidores dos clássicos americanos e dos musicais dos anos 70.

quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Ausência "forçada"



Decerto terão já percebido que foi quebrado o ritmo habitual de colocação de novos posts. A verdade é que o meu pc avariou e estarei impossibilitado de colocar novos apARTES até à próxima semana. Por esse motivo, as minhas desculpas.

Obrigado.

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Lhasa - The Living Road (CD, 2003)

Apreciação final: 8/10

Lhasa de Sela é uma das intérpretes méxico-americanas mais carismáticas, acolhendo os costumes sonoros das suas raízes e acrescentando-lhes um cunho pessoal muito próprio.

Se o registo anterior, La Llorona, editado cinco anos antes, tinha deixado pistas quanto ao talento inegável da cantora, este The Living Road superou as mais ambiciosas expectativas. As músicas são sofisticadas, sensuais e modernas, apoiadas na voz linda de Lhasa, e falam de viagens na estrada (aquelas que a cantora fez com a família pela Europa, em digressão com um circo?) ou na vida. O alinhamento do registo contempla canções interpretadas em três línguas diferentes: castelhano, francês e inglês.

Trata-se de um trabalho essencial, de que é impossível não gostar, com a doce sedução dos ritmos latinos, alentados por uma voz melíflua e talentosa e com uma produção cristalina.

Um grande disco. Uma grande senhora da música mundial.

Moonspell - Antidote (CD, 2003)

Apreciação final: 8/10

Antidote marca o regresso dos portugueses Moonspell às edições em disco, desta vez num lançamento conjunto com José Luís Peixoto. O disco é acompanhado por um livro ("Antídoto") do escritor com pequenas peças inspiradas em cada uma das faixas do alinhamento.

O registo é cavado e revoltoso, muito maduro, asseverando a rodagem do grupo de Fernando Ribeiro na sua senda pelo mundo do metal gótico, universo onde reúnem o apoio de imensos séquitos, aquém e além-fronteiras. O sexto trabalho da banda mereceu uma produção assisada, apoiada no seu som cru e duro, partindo para a concepção de texturas complexas, feitas de angústias obscuras e de gritos lancinantes de reflexão interior. O nível das composições é soberbo, como nunca antes na carreira do grupo, contribuindo para fazer deste Antidote o trabalho mais ambicioso e mais bem conseguido dos Moonspell.

Ursula Rucker - Silver Or Lead (CD, 2003)

Apreciação final: 6/10

Ursula Rucker é a mais notada mensageira de um género musical que funde o hip-hop com a soul e com o new jazz. A matiz de Rucker é inconfundível e simboliza a criação de uma ordem musical inovadora, fundada por um discurso pertinaz, vertido em entrechos líricos de consciência social, de apelo à feminilidade e à cultura negra. Depois do sucesso com Supa Sista, a cantora-poeta está de regresso com Silver Or Lead.

O seu canto é feito de rumorejos, de raivas refreadas e dores profundamente sofridas, numa toada de rap de retruque, num discurso directo e pungente que deixa a nu as verdades mais agrestes. A mensagem é animosa, crua, rude e acre. Silver Or Lead é um profuso ensinamento de vida. Uma nota para a excelência da produção musical, a cargo de nomes como Jazzanova, King Britt e 4Hero.

A irreverência independente de Ursula Rucker, a sua rebeldia assanhada, pousada na excelência dos ingredientes musicais, compõem um disco harmonioso, vivo e calmamente revolucionário.

Karminsky Experience Inc. - The Power Of Suggestion (CD, 2003)

Apreciação final: 6/10

A tendência actual da música electrónica tem levado à inundação do mercado de produtos musicais do género downtempo, com batidas mais lentas e pausadas, ao estilo de Thievery Corporation ou St. Germain. O duo Karminsky Experience Inc. segue essa tendência e, de entre os inúmeros projectos musicais nesta área, é um dos mais aclamados e consistentes, muito à custa deste The Power Of Suggestion.

A presença de elementos electrónicos é subtil, inscrita num plano meticuloso de encaixe na programação das batidas. O alinhamento do disco é bastante congruente, lançando mão de um som cativante, em certo jeito nocturno e enérgico, com imenso estilo. A composição é relativamente versátil, embora existam propostas com mais acerto neste formato. Ainda assim, o disco é uma boa sugestão para um final de dia de trabalho ou para a manhã depois de uma noitada na discoteca. Gosto particularmente de "Belly Disco" (mais próxima do disco sound) ou de "A Little Happening" (mais jazz).

Mola Dudle - O Futuro Só Se Diz Em Particular (CD, 2003)

Apreciação final: 7/10

O conceito Mola Dudle é a prova mais evidente de que em Portugal também há música descaradamente livre, lesta a agarrar a experimentação e a originalidade, a fazer delas a arma de arremesso contra a opressão do mainstream. O grupo foi originalmente formado por Nanu e Miguel Cabral. Em Mobília, o seu registo anterior, a dupla tinha ousado fazer música a partir de panelas, água, televisores, atendedores de chamadas, estores, armários e outros artefactos, produzindo um registo fora do vulgar e aliciante.

Neste trabalho, os Mola Dudle prosseguem na via da inovação, na descontracção criativa, no recurso à electrónica, aos loops, na incursão às sonoridades estranhas e na assunção de vocalizações propositadamente dissonantes e elásticas. Mas a dupla não está sozinha, recruta o precioso ajutório de Manuela Azevedo (Clã), Armando Teixeira (Balla, Bullet e Bizarra Locomotiva), Nuno Rebelo (Mler If Dada) e do produtor Mário Barreiros. Com esta ajuda, os Mola Dudle dão um passo em frente, desmancham a fórmula dos simulacros de canções do trabalho anterior e produzem doze canções íntegras, evocando os tempos perdidos dos loucos anos 20, dos primeiros dias da rádio, do culto do espectáculo, do glamour da moda, do cinema e do cabaret.

O projecto Mola Dudle é uma lufada de ar fresco no panorama da música nacional e é digno de os mais justos elogios. O Futuro Só Se Diz Em Particular é uma reflexão que não merece ser ignorada.

Bright Eyes - Lifted Or The Story Is In The Soil, Keep Your Ear To The Ground (CD, 2002)

Apreciação final: 7/10

Bright Eyes é o projecto musical de Conor Oberst, um jovem cantautor do Nebraska. Com apenas quatorze anos, Oberst foi guitarrista dos Commander Venus, surpreendendo o mundo indie. A banda dissolveu-se depois de lançar dois álbuns e criar a sua própria editora, a Saddle Creek. Esta etiqueta é a responsável pelos lançamentos do projecto Bright Eyes.

Este registo é um produto intrincado, com uma solidez assinalável e não é monótono. A voz de Oberst é quente, às vezes abrasiva, sempre íntima. O disco compõe uma história sonora que nos toca a todos, um relato profundamente enternecedor, um desejo abstracto que não devemos reprimir para lhe percebermos a pureza. As músicas são essencialmente acústicas, enriquecidas por uma produção equilibrada e letras depressivamente reflexivas, num comovente tom auto-biográfico.

Bright Eyes é uma curiosa sublimação da vida, das frustrações, dos amores, dos desejos íntimos e dos segredos ocultos.

Fantômas - Fantômas (CD, 1999)

Apreciação final: 7/10

O projecto Fantômas é mais uma das inúmeras metamorfoses de Mike Patton. Aqui, o cantor faz-se acompanhar por Buzz Osborne (guitarrista dos Melvins), Trevor Dunn (baixista dos Mr. Bungle) e Dave Lombardo (baterista dos Slayer). Este trabalho, de título homónimo, foi o primeiro deste quarteto de luxo e é um disco apóstata, renegador das convenções do rock moderno. Antes de ouvirem este registo, esqueçam tudo o que escutaram até hoje. Preparem-se para um experiência sem igual, durante os quarenta e três minutos duma suposta banda sonora original, inteiramente composta por Patton, para uma história de banda desenhada, pseudo-intulada "Amenaza Al Mundo". O alinhamento contém 30 mini-faixas, numeradas pelas páginas imaginárias do comic book.

Fantômas é um trabalho completamente original, satiricamente não convencional, em que Patton usa a voz como um instrumento, vociferando sílabas indecifráveis, num estilo onomatopaico. O talento dos quatro músicos é a nota dominante, o produto final é magnífico e diabolicamente arrebatador.

Se esperam algo na linha dos Faith No More ou dos Mr. Bungle, esqueçam. Mas se são suficientemente open-minded para receber a suprema inovação, preparem-se para idolatrar Fantômas.

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

My Morning Jacket - It Still Moves (CD, 2003)

Apreciação final: 8/10

Os My Morning Jacket são originários de Louisville, nos EUA. O conceito musical gira em torno do vocalista e principal compositor, Jim James. O seu som é marcado pela country, com algum psicadelismo, muita solidão e assombros q.b.

Neste It Still Moves a originalidade das composições de James mantém-se, pintando paisagens de emoções através das melodias apelativas, da excelência da composição e da estrutura rítmica complexa. Com este trabalho, os My Morning Jacket provam que merecem um lugar de destaque na alternativa actual, pelo renovação da música americana, na mesma linha de Neil Young, embora com uma toada diferente, assente em canções tentadoras e virtuosas, com uma voz serena e guitarras amenas, em tons amistosos de aliança com o ouvinte. "Mahgeetah", "Dancefloors" e "Master Plan" são excelentes. Algumas faixas fazem-me recordar os saudosos Creedence Clearwater Revival, embora sejam mais elaboradas.

Aqueles que não conhecem os My Morning Jacket, podem tomar este It Still Moves como uma amostra representativa do moderno rock-country americano.

The Faint - Wet From Birth (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

O grupo norte-americano The Faint já passou por diversas mudanças e, após cada uma delas, surgiu mais expedito, captando novas impressões e prosélitos incondicionais. A evolução partiu da pop lo-fi, influenciada pelo punk, para um som mais elaborado. Depois de em 2001 terem atingido um considerável êxito com Danse Macabre, os The Faint amadureceram, adoptando uma doutrina mais eclética, perfeitamente demonstrada neste Wet From Birth, o seu quarto longa duração.

A subtileza dos elementos electrónicos, as guitarras engenhosas e as percussões fortes são os ingredientes principais deste registo. Os anos oitenta são ainda a sua inspiração primaz, embora o grupo tenha conseguido o passo em frente, pela integração de novos instrumentos e pela introdução de conceitos modernos e ambiciosos. Todavia, a composição musical é um pouco previsível, induz monotonia no ouvinte. Ainda assim, há momentos especiais neste disco, com alguma puerilidade mas irreverentes e satíricos, como "Erection" (a la Depeche Mode), "Dropkick The Punks", "Phone Call" ou "Desperate Guys". Neste trabalho, são facilmente detectáveis as semelhanças com os Radio 4.

Wet From Birth é uma mistura do melhor e do pior dos The Faint. Mas devem ouvi-lo.

Metric - Old World Underground, Where Are You Now? (CD, 2003)

Apreciação final: 7/10

Este é o segundo trabalho dos nova-iorquinos Metric. A sonoridade deste projecto musical é pautada pelo new wave e traduz-se num rock fresco, alternativo, reflexivo e exuberante. Os mais astutos notarão analogias com Cat Power e, mais vagamente, com Yeah Yeah Yeahs.

A voz ingénua de Emily Haines (Broken Social Scene) dirige o disco para a junção de um alinhamento harmonioso, em tons cativantes e melancólicos. A produção é bastante razoável e ajuda à criação de faixas graciosas, com estilo e intimamente vividas. As melodias são simplistas, fundindo uma dance-punk acessível com os ingredientes da new wave. Contudo, os Metric raramente fogem desse formato, a inovação é abreviada, fica a promessa de cultivar estas raízes, em busca de um trabalho melhor.

21 Gramas (Filme, 2003)

Apreciação final: 8/10

Este filme retrata a história de três pessoas: o matemático Paul Rivers (Sean Penn), casado com Christina Peck (Charlotte Gainsbourg), uma emigrante inglesa, uma mulher de classe média alta (Naomi Watts), casada e com duas filhas e Jack Jordan (Benicio del Toro), um ex-presidiário que encontrou no Cristianismo e na fé a força para construir a sua família.

Um acidente de viação vai cruzar os destinos destas pessoas. O filme é um ensaio sobre os afectos, a fé, a coragem, o desejo, o sentimento de culpa, a fragilidade da vida e o irreversível cunho de cada momento no curso da existência.

O filme é psicologicamente denso, a realização de Alejandro González Iñarritu (Amor Cão) é sublime, os desempenhos de Sean Penn, Del Toro (nomeado para o Óscar de Desempenho Secundário) e Naomi Watts (nomeada para o Óscar de Melgor Actriz) roçam o brilhantismo.

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

Maria João e Mário Laginha - Tralha (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Depois do estrondoso sucesso do disco de versões Undercovers, a dupla Maria João / Mário Laginha está de volta, desta vez com um trabalho de originais. Tralha marca o retorno à receita dos registos prévios destes músicos, embora este se revele mais cerrado, menos definido, assente em anamneses da vida, adornadas com sonoridades do jazz, da étnica, da fusão e alguma pop, com carradas de virtuosismo. Maria João e Laginha, distintos como sempre, oferecem-nos uma experiência obrigatória, recheada de imprevistos, pequenas tralhas que se amontoam, propositadamente desarrumadas. Acoitemos o alvitre, escutemos com reverência, deixemos a moleza vencer, recostemo-nos e mantamos a Tralha desarrumada. É assim que ela faz sentido.

O requinte, o garbo, o bom gosto e a ousadia para fantasiar sonhos desmedidos marcam pontos neste trabalho. Com a voz doce de Maria João e o piano cicerone de Mário Laginha, faz-se o par perfeito; a eles se juntam Miguel Ferreira (sintetizador e teclas), Helge Norbakken (percussão), Yuri Daniel (baixo), Alexandre Frazão (bateria) e Mário Delgado (guitarras).

Quem se avezou ao tom orelhudo de Undercovers não encontrará neste disco um sucessor justo. Mas quem aprecia a música genuína desta dupla nacional, achará em Tralha um registo raro, robusto, franco e virtuoso.

Spektrum - Enter The...Spektrum (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Os Spektrum são um projecto musical curioso, abraçando uma sonoridade não usual, uma versão alternativa do funk, aformoseada com elementos electrónicos escolhidos com ponderação, que lhe conferem novas vestes, perfeitamente minimalistas, ajustadas a uma produção hábil.

A voz nasalada de Lola Olafisoye assenta como uma luva na textura rítmica das faixas, produzindo um tomo de música electrónica serena, com bom gosto e um esmerado sentido de oportunidade. Este registo é uma boa fonte de novas inspirações, projectando outros horizontes musicais. A estrutura musical faz lembrar, a espaços, os ambientes sonoros de Vikter Duplaix ou de Ursula Rucker.

Kasabian - Kasabian (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Os ingleses Kasabian surgiram em 1999 e despertaram as apáticas consciências britânicas. Quem não conhece os Kasabian pode imaginar um rock sem medo da electrónica. Depois de várias edições em single, os Kasabian finalmente atingiram o sucesso merecido, com este trabalho a atingir lugares de destaque nas tabelas de vendas do Reino Unido.

O registo é uma excelente apresentação deste projecto, um testemunho certo da renovação da brit-pop, aqui deliciosamente moderada pelas batidas electrónicas. Os Stone Roses ou os Primal Scream não se envergonharão.

O rock não está morto. Estão cá os Kasabian para o salvar. Eles são excitantes, modernos, inovadores e a sua estreia promete.

Colateral (Filme, 2004)

Apreciação final: 6/10

Tom Cruise no primeiro papel de vilão da sua carreira. Se outros motivos de interesse não existissem, este, por si só, seria bastante para suscitar curiosidade. Cruise não desilude, também não deslumbra, mas o filme é mais do que isso. A personagem principal, o assassino profissional Vincent, é um homem insensível, contratado para eliminar as cinco testemunhas chave de um processo judicial contra um cartel da droga. Vincent contrata os serviços do taxista Max (Jamie Foxx), a sua viatura é o meio de transporte entre os locais de crime. Com a sucessão de acontecimentos, a sobrevivência de ambos depende da sua união.

A recreação está garantida, a acção decorre numa sequência harmoniosa que traduz no espectador a ilusão de personificar um desesperado refém do encarniçado Vincent. Excelente trabalho de realização de Michael Mann e boas interpretações de Cruise e Foxx.

Mark Lanegan Band - Bubblegum (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Mark Lanegan está de volta. O ex-vocalista dos Screaming Trees continua a produzir discos a solo.

O primeiro disco sob o epíteto da Mark Lanegan Band é este Bubblegum e surgiu depois da participação do músico no álbum Songs For The Deaf dos Queens Of The Stone Age. O som é menos intimista e integra as atmosferas nocturnas e melancólicas dos trabalhos anteriores com a influência rock dos outros projectos musicais em que o cantor esteve envolvido. A esse propósito, uma nota para destacar as contribuições de Josh Homme e Nick Oliveri, ambos dos Queens of The Stone Age, e de P.J. Harvey, na excelente "Hit The City".

Bubblegum merece ser explorado com reverência. O rock melancólico é aqui mais eléctrico, menos misantropo e, por isso mesmo, mais açambarcador.