segunda-feira, 27 de abril de 2015

Courtney Barnett - Sometimes I Sit and Think, And Sometimes I Just Sit

 7,7/10
Marathon Artists/Popstock, 2015

Dada a conhecer ao mundo através do lançamento esporádico de EPs nos últimos anos, ainda assim a australiana Courtney Barnett conseguiu alimentar os desejos de uma falange cada vez maior de melómanos ansiosos em encontrar nela a novel descendente do mais puro rock "clássico". A verdade é que a música que ela ia revelando aos poucos deixava pistas de alguém que, apesar da tenra idade (26 anos), estava muito bem documentada sobre as pegadas decisivas do rock das últimas décadas e de como absorver-lhes as coordenadas essenciais para erguer uma linguagem capaz de tocar vários géneros e tempos algo díspares. Já quase tudo foi escrito sobre as heranças grunge do disco, também sobre a luminária sessentista indisfarçável, até sobre as pitadas de psicadelismo que temperam a mistura e lhe dão sentido maior. Esse composto é particularmente notório no primeiro álbum - genialmente baptizado Sometimes I Sit and Think, And Sometimes I Just Sit - e vem servido numa simplicidade que marca distâncias para o intelectualismo dominante no orbe indie actual; mais do que procurar alinhar-se com qualquer tendência, Barnett defende a autenticidade das suas canções. Guitarra, baixo, bateria, a trindade sacrossanta do rock...é preciso mais? E depois vêm as histórias, quase sempre humoradas e sempre bem escritas, cantadas com o mágico desencanto de quem se está nas tintas para os cânones do melodismo mais tradicional.

No fundo, a música de Barnett é refrescante por ser desprendida de tudo, tão deliciosamente perto da grandiosidade quanto da mais mundana das ingenuidades. Ou de como uma pode ser o catalisador imprevisto da outra. Destes jogos de correspondências só podia nascer um dos mais desafectados discos que o rock conheceu nos últimos tempos. E Courtney Barnett, mesmo estando a borrifar-se para isso ("Put me in a pedestal and I'll only disappoint you"), faz-se merecedora da atenção mediática nos anos vindouros. Para já, não decepciona ninguém.

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quinta-feira, 23 de abril de 2015

Kendrick Lamar - To Pimp a Butterfly


8,4/10
Top Dawg Entertainment/Universal, 2015

A consagração quase unânime dos últimos anos, sobretudo depois da impressionante rendição universal a Good Kid, m.a.a.d. City, não apanhou Kendrick Lamar desprevenido. No lugar dele, o mais comum dos mortais colheria os louros do êxito e descansaria placidamente na (lucrativa) descoberta da galinha de ovos de ouro, limitando-se a replicar a fórmula com pequenas derivações e fazendo vida de estrela rica. Se prevalecesse essa "normalidade", To Pimp a Butterfly nem estaria perto de ser o densíssimo exercício de subversão que é, tanto no conceito como na execução. Não é uma descontinuidade absoluta da boa música que vinha no antecessor - nem fazia sentido que o fosse -, mas o californiano ensaia aqui uma apresentação diferente das suas ideias. Desde logo, a música é servida, a maior parte do tempo, na elasticidade de uma base instrumental jazzística em trio (piano, saxofone e baixo), dando ao disco uma ambivalência valiosa entre a densidade e a energia próprias de um improviso. Essa volubilidade instrumental acaba por  empurrar o registo vocal de Lamar para pontuais aventuras a que talvez nem ele antevisse semelhante sucesso ("u" é amostra paradigmática).

Em tudo o mais, a música de To Pimp a Butterfly é labiríntica e esteticamente plural (passa com coerência por várias escolas)  e, também por isso, requer zelo redobrado na audição. É música sem concessões, deliciosamente caótica e dissonante, cada vez mais longe do formalismo radio-friendly e com clara intenção de motim estrutural. Nesse particular, Lamar empresta ao rap moderno o quinhão de surrealismo apenas ao alcance dos predestinados e junta-lhe dimensões narrativas que espelham cruamente a ainda intolerável fragilidade negra na América bélica e abusadora de hoje. E abrir o disco com um sample de "Every Nigger is a Star", do jamaicano Boris Gardiner, é sintoma da convicção insurgente de Kendrick Lamar, também ponderosamente ilustrada na capa. E se há alguém com autoridade artística para expor podres, atropelar poderes instituídos e festejar nos jardins da Casa Branca, é certamente ele.

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sexta-feira, 17 de abril de 2015

Tobias Jesso Jr. - Goon

 8,1/10
True Panther, 2015

Para quem se propunha ser baixista e começou tardiamente a aprender piano, seria difícil adivinhar um debute discográfico ancorado precisamente no mais nobre dos instrumentos de cordas. Já a sonoridade setentista baladeira do disco desvenda porque é que o canadiano Tobias Jesso Jr. é apadrinhado por Chet White, produtor e baixista do extinto duo Girls, também ele descendente dessa escola musical e, portanto, avalista documentado daquilo que Jesso lhe fazia chegar em rústicas demos desde a primeira hora e que, afinal, viria a ser o passaporte para a inevitável emancipação artística como compositor e intérprete. Essa inevitabilidade percebeu-se assim que tomaram expressão pública as criações de Jesso, sobretudo pelo falatório cibernético em redor de "Hollywood", primeiro (ainda em 2014), e especialmente a gloriosa "How Could You Babe", duas amostras tremendas do romanesco moderno do canadiano. Nem se trata de ser um baladista como nunca se (ou)viu, tampouco de fazer música medularmente revolucionária; é da simplicidade de estrutura e, sobretudo, da coerência melódica que respiram as canções - Randy Newman e John Lennon são luminárias omnipresentes - que brota o seu fascinante magnetismo.

Não faltam predicados a Goon para recolocar a balada fantasiosa no mapa mediático da música contemporânea, sem concessões e fugindo ao preconceito com que muitos tentam diminuir estas peças, esquecendo o essencial: se elas sobreviveram à voragem YouTube, passaram pelo crivo do estúdio sem perderem essência e continuam assim cativantes, bem construídas e irresistíveis, certamente não lhes falta solidez. E isso só pode querer dizer que não são canções de somenos. 

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