terça-feira, 1 de abril de 2008

Justus Köhncke - Safe and Sound




Quando o selo Kompakt, de Colónia, foi fundado - no final da década de noventa - já Justus Köhncke integrava o colectivo Whirlpool Productions, na época um dos mais expressivos representantes da electrónica germânica dançante, em pleno movimento de afirmação de uma estética que, convocando estruturas de pulso rítmico da música techno, revelava afinidades com os paradigmas pop. Os samples eram, então, um recurso generalizadamente utilizado para vincar esses afectos, trazendo às composições a dose certa de maleabilidade melódica para contrabalançar com o laconismo técnico dos sons de síntese. Até à sua afirmação de pleno direito como um dos mais reputados produtores do orbe electrónico contemporâneo, Köhncke esmiuçou esses ensinamentos, não só com os Whirlpool Productions (com eles, escreveu o mediático hit local "From Disco to Disco"), mas a título individual. A sua chegada à Kompakt, com Was Ist Musik (2002), acabou por traduzir-se na manifestação mais pop do selo alemão, dando mostras de um trabalho cultivado em espaços comuns ao disco sound, à pop de feitura sintética, ao funk-house ou ao R&B descomprometido e a um fôlego ambiental notório. De então para cá, ora por força de inteligentes reconstruções e versões de material de terceiros, ora pela afirmação das suas próprias composições, Justus Köhncke concretizou um trajecto ecléctico que chega, agora, ao quarto registo (o terceiro na Kompakt).

Safe and Sound demarca-se, desde logo, dos anteriores por ser um álbum quase integralmente instrumental. A esse pormenor não é estranho o facto de as composições de Köhncke com voz terem sido "desviadas" para o recém-criado alter-ego emotronic Kinky Justice. Neste disco, porém, o enfoque é a exploração da face ambiental da electrónica dançante, o que marca também uma certa divergência face ao pendor pop do passado recente do músico/produtor. Despidas de palavras, as peças acabam por expor melhor a profundidade de texturas, emoções e instintos. Aí, desvendam-se, como nunca antes no percurso de Köhncke, uma crueza e visceralidade raras, coisa que até vem a autorizar devaneios experimentais que não se lhe conheciam. A desviante (e quase dissonante) "$26" é expoente dessa correcção de princípios, com misteriosos sabores sci-fi e ciclos nervosos de batimentos e arritmias sorumbáticas; alinhando por esse diapasão mais céptico, também "Feuerland" (versão de Michael Rother, ex-Kraftwerk) ou "Tilda" (de soslaio, faz lembrar Jean-Michel Jarre), mesmo "Safe and Sound" ou a ambiental "Spukhafte Fernwirkung", são a prole do desencanto adquirido do outro lado da barricada, atrás dos sorrisos triunfantes e do impulso físico das típicas "Parage" (lá está, o sampling não podia faltar!) e "(It's Gonna Be) Alright" e das esdrúxulas construções da tríade de abertura ("Yacht", "Molybdan" e "Love and Dancing"). Um universo binário, sem dúvida; mas em que os dois hemisférios emocionais se tocam e preenchem mutuamente, se aconchegam e, uma vez somados, se convertem numa superlativa viagem ao interior de nós mesmos. Afinal, é lá que residem as palavras omitidas que rematariam estas "canções".

Posto de escuta YachtIFeuerlandI$26

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