quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Ermo - Vem por Aqui


8,2/10
Optimus Discos, 2013

É inegável o dinamismo da cena musical portuguesa que vem gerando, nos últimos anos, uma plêiade de projectos oriundos das mais variadas famílias estéticas que fazem prova de uma vitalidade que não era típica cá no burgo. Atrás disso, há um movimento crescente de emancipação em relação às grandes editoras e germinam (imensas) pequenas iniciativas editoriais que dão espaço a protagonistas que não encaixam nos cânones. É o caso do duo Ermo, mais uns descendentes da fervilhante orbe musical bracarense e que, agora, se estreiam no formato longa-duração, depois de se terem dado a conhecer, há um par de anos, no volume quatro da colecção "À Sombra de Deus" e, depois, no EP homónimo do ano transacto (em edição de autor). Quem ainda não teve qualquer contacto com o universo dos Ermo, prepare-se para a inquietante surpresa de uma proposta sonora que põe, em cima de electrónicas de abstracção minimalista, textos orados de genuína portugalidade. Em termos mais concretos, estamos em presença de uma exaltação intuída ao imaginário secular luso, na crueza poética dos textos e, sobretudo, num canto que tanto pode ser de devoção religiosa como de paganismo declarado. De resto, essa versatilidade camaleónica na voz de António Costa segue as métricas do laboratório de sons de Bernardo Barbosa. Da mistura, brotam pedaços de todos nós, de todos os tempos e geografias de Portugal, de cantos gregorianos, de rifões populares, da placidez das canções telúricas e do sufoco da urbanidade, de hoje e de outrora. O cruzamento da tradição e da modernidade não é senão um anseio catártico (quase sacro), uma quimera visceral (lúgubre?) sem fim anunciado (o mito do sebastianismo) e que acolhe vénia e subversão sob o mesmo manto de ecos e sons.

Vem por Aqui torna-se, nas suas peculiaridades, um dos melhores retratos do que é o lusitanismo que nos envolve a alma, entre o apego sanguíneo aos símbolos e história da nação e a derrocada fatalista do descontentamento (o fado?). Somos isso tudo e isso tudo é também a música dos Ermo. Sem pretender ser um grito de alerta ou um manifesto moralista, é difícil dizer que estamos perante uma forma hodierna de música de intervenção. Talvez sim, talvez não. O dado absoluto é este: o disco é um documento imperdível. 

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