domingo, 5 de novembro de 2006

Wolf Eyes - Human Animal

Apreciação final: 8/10
Edição: SubPop, Setembro 2006
Género: Noise Experimental/Industrial
Sítio Oficial: www.wolfeyes.net








Da miríade de ofícios musicais que nos são dados a ouvir, a escola do noise é das principais cultoras do repto à coisa padronizada e, em razão disso, não são raras as vezes em que, de uma forma ou de outra, os produtos desta família apostam em abanar consciências. Definidor de extremos acústicos, o género pode acolher os mais variados estímulos instrumentais, reais ou sintéticos, pouco importa, desde que, de entre a concorrência de discursos, sobrevenha o imprescindível ruído, afinal o objecto essencial para a inquietude do ouvinte. E é aí que o trio americano Wolf Eyes não dorme. Mesclando as radiações eléctricas e as silhuetas do metal mais ríspido (não necessariamente com a mesma álgebra) com o noise de compleição industrial, Nathan Young, John Olson e Aaron Dilloway criaram um tenebroso mundo privado, sufocante e torturado, negativo, muito escuro, agressivo (quase hostil) e tenso. Burned Mind (2004) foi cidadão paradigmático desse universo, com distorções volumosas e pujantes, brados fantasmáticos e agonizantes e baixo cortante num ambiente de suplício quase intolerável e com estímulos de choque não facilmente toleráveis por espíritos menos abertos. Uma verdadeira elegia noise. Os primeiros espasmos de Human Animal dão provas de uma mutação subliminar, por comparação com o antecessor. Apostando menos nas cargas de guitarra e mais no feedback e na estática (também jogando mais com o drama no silêncio), o corpo sonoro dos Wolf Eyes mudou. O pendor industrial-nocturno é sublimado, a ponto de se tornar a matéria dominante, tanto nos efeitos de percussão como nos sermões sinistros do ruído; as guitarras, ainda que presentes, são um dádiva mais distante (excepção feita a "Noise Not Music", peça derivativa de Burned Mind) e as aparições mais casuais do baixo ganham uma utilidade reforçada. Depois, um colérico saxofone, lançado ao éter como substância de contraste, é uma adição oportuníssima às texturas sinuosas do trio.

Independentemente do prisma que sirva à audição de Human Animal, o absurdo de agressão de Burned Mind não tem continuação. O que é o mesmo que dizer que, sem renunciar às propriedades de um som ominoso, a abordagem do trio é mais gentil, se é que tal adjectivo encaixa neste léxico de sons paranóicos e intensos. A inesperada deserção do parceiro de longa data Aaron Dilloway - padrinho de lançamento do projecto que, posteriormente, se juntou à então one-man-band de Nate Young - e sua substituição por Mike Connelly (dos Hair Police) talvez não seja dissociável disso. Era o experimentalismo desconstrutivista da guitarra de Dilloway que puxava pelos extremos viscerais do grupo, aguçando as suas neuroses e retorções e dando-lhes a carnalidade e o sangue. Hoje, sem Dilloway, a hipnose é outra, mais nervosa e cerebral, de sons cavos e acres, também mais maquinais e instintivos. Mas o pânico frio não se foi, pois o noise dos Wolf Eyes não se fecha na técnica, é algo maior, uma entidade transcendental que, independentemente do veículo (e dos artefactos) e do tempo, sempre toca (e tortura) a face negra do cérebro. Lá, onde o homem assustado se esconde do mundo. O animal humano.

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