quinta-feira, 25 de agosto de 2005

Mísia - Drama Box

Apreciação final: 8/10
Edição: Virgin, Junho 2005
Género: Fado/Étnica
Sítio Oficial: www.misia-online.com








A fadista portuense Mísia está de volta aos discos e, desta vez, apresenta uma colecção de canções que dedica à sua mãe e que reportam aos estímulos musicais que esta lhe ofereceu durante a infância. Drama Box não é um disco puro de fados, explora também os contextos musicais da escola de bailado clássico da mãe da cantora, destapando os encantos da América Meridional, dos boleros e dos tangos, aqui vizinhos do fado português. A conexão sentimental dos vários géneros é o garante da solidez do disco, onde o fado resulta como cicerone principal de uma caminhada sentida pelos labirintos do amor e da saudade. A voz enternecedora de Mísia alude com paixão às recordações de amores perdidos, desatando nas letras de um poema (Vasco Graça Moura, Rosa Lobato de Faria, Paulo José Miranda, José Luis Peixoto, José Saramago e Natália Correira figuram entre os autores) os enigmas de cicatrizes da alma que se expõem com crueza e se purgam na alvura da música. O imaginário poético de Drama Box - sublinhado pela declamação do poema "Fogo Preso" de Graça Moura nas vozes das actrizes Fanny Ardant, Maria de Medeiros, Carmen Maura, Miranda Richardson e da cantora Ute Lemper - é pontuado pela alma lusitana, seguindo o embalo dos timbres melancólicos do fado e da sensualidade e vigor dos tangos e dos boleros que, interpretados em castelhano, mantêm o acento tónico nos desencontros amorosos, na solidão, no sentir da perda.

Drama Box é uma arca de sentimentos e afectos, um depósito de fragmentos autênticos da existência humana que se assemelham a retratos de uma dramaturgia musical de que Mísia é tradutora maior e personificação última. Ao mesmo tempo, é um roteiro musical do coração do fado lisboeta, passando pela Rambla de Barcelona e pelo obelisco de Buenos Aires...pela mão das composições de Mário Pacheco e de Piazzolla. Drama Box é um álbum de sentimentos radicais e que Vasco Graça Moura nos convida a visitar com estas palavras:

Quando se ateia em nós um fogo preso
o corpo a corpo em que ele vai girando
faz o meu corpo arder no teu, aceso
e nos calcina
e assim nos vai matando
essa luz repentina até perder alento

e então é quando a sombra se ilumina
e é tudo esquecimento tão violento e brando
sacode a luz o nosso ser surpreso
e devastados, nós, vamos a seu mando
nessa prisão o mundo perde o peso
e em fogo preso, à noite, as chamas vão pairando
e vão-se libertando fogo e contentamento
a revoar num bando de beijos tão sem tento
que não sabemos quando são fogo ou água ou vento
a revoar num bando de beijos tão sem tento
que perdem o comando do próprio esquecimento.

in "Fogo Preso", Vasco Graça Moura



Sem comentários: