sexta-feira, 15 de maio de 2015

Blur - The Magic Whip

 7,2/10
Parlophone/EMI, 2015


O furor em volta da reconciliação dos Blur, e sobretudo em razão do lançamento de um novo disco, dezasseis anos depois de 13 (o último com Coxon), foi quase tão volumoso quanto aquele que se seguiu à inesperada cisão do quarteto britânico, então no auge da afirmação enquanto uma das forças criativas mais reconhecidas da música europeia na década dos noventas. Da digressão mundial pós-reunião - em particular o desvio asiático que casualmente veio a precipitar a gravação do disco que os quatro já ansiavam fazer em conjunto -, já muito se disse. Ao que parece, foi o cancelamento de uma actuação em Hong Kong que os empurrou para estúdio durante cinco dias em 2013, aproveitando o tempo inesperadamente livre para escrever e gravar o produto espontâneo dessas sessões, sem pensar na "obrigação" de o transformar em disco. Ainda assim, essa edição tornar-se-ia incontornável, respondendo até aos anseios da trupe que, já depois do lançamento deste The Magic Whip, manifestou publicamente o prazer de regressar, o orgulho que tem nestas canções, e, mais do que isso, o regozijo que todo o processo permitiu, desde o início da gravação até à edição final.

A súmula dessas energias positivas acaba por se sentir no disco e na aura intuitiva das canções. No fundo, a linguagem Blur está tão fantasiosa e esdrúxula como antes, desprendida de formatos e regras e, mesmo que "arrumada" com a maturação própria de músicos mais experientes e sabedores (e com conceitos estéticos entretanto solidificados a solo), não perdeu fulgor e criatividade. É verdade que, aqui e ali, a coisa não parece tão coesa como se desejaria. Mas, nas palavras de Graham Coxon, insigne guitarrista do quarteto (e principal responsável pela chegada destas peças à forma de álbum), "tem que haver espaço para erros bonitos".  E os Blur, afinal insofismavelmente, são um dos "erros" mais bonitos dos últimos vinte e cinco anos.
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quarta-feira, 6 de maio de 2015

Ólafur Arnalds & Alice Sara Ott - The Chopin Project


 7,4/10
Mercury Classics, 2015

Se há criador musical contemporâneo que transcende fronteiras estéticas e é capaz de expressar-se em inúmeras linguagens musicais, ele é certamente o islandês Ólafur Arnalds. Oriundo da profusa escola da electrónica moderna, de que é um dos mais prolíficos embaixadores, sobretudo em razão dos trabalhos peregrinos de exploração da programação electrónica como matéria musical, Arnalds veio a tornar-se também um autor requisitado recorrentemente pela sétima arte e pela televisão. A valia cenográfica da sua música é hoje reconhecida por todos os quadrantes musicais, tanto nas produções mais minimalistas como quando alcança escalas de maior ambição artística. Sendo um devoto admirador da música erudita, e particularmente da era romântica, não surpreende esta intenção de erguer um disco inspirado no universo de Chopin, ao lado da pianista nipo-germânica Alice Sara Ott, apaniguada da Deutsche Grammoph e também ela inscrita no neoromantismo.

Como é natural nestas coisas, The Chopin Project não escapará à desconfiança e cepticismo dos puristas, quase sempre inflexíveis no preconceito de que o património clássico da música erudita não sai a ganhar da miscigenação com a modernidade. A Arnalds e Ott a discussão pouco dirá; está feito o disco e convoca peças de Chopin, com aquele inconfundível trinado que Ott executa altivamente no piano, e as ornamenta com as envolvências de Arnalds, ora induzidas electronicamente, ora capturadas ao vivo a um quarteto de cordas. Nem sempre a intersecção acrescenta coisas úteis à matéria original (é muito discutível a conversão de "Nocturne in G minor" numa espécie de gravação de bar), mas acaba por sobressair, a dada altura, um traço musical muito interessante, entre o garbo poético de Chopin e o cunho charmoso dos ambientes de Arnalds e Ott. E, por isso mesmo, Chopin não levará a mal que lhe mexam nas partituras.

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segunda-feira, 27 de abril de 2015

Courtney Barnett - Sometimes I Sit and Think, And Sometimes I Just Sit

 7,7/10
Marathon Artists/Popstock, 2015

Dada a conhecer ao mundo através do lançamento esporádico de EPs nos últimos anos, ainda assim a australiana Courtney Barnett conseguiu alimentar os desejos de uma falange cada vez maior de melómanos ansiosos em encontrar nela a novel descendente do mais puro rock "clássico". A verdade é que a música que ela ia revelando aos poucos deixava pistas de alguém que, apesar da tenra idade (26 anos), estava muito bem documentada sobre as pegadas decisivas do rock das últimas décadas e de como absorver-lhes as coordenadas essenciais para erguer uma linguagem capaz de tocar vários géneros e tempos algo díspares. Já quase tudo foi escrito sobre as heranças grunge do disco, também sobre a luminária sessentista indisfarçável, até sobre as pitadas de psicadelismo que temperam a mistura e lhe dão sentido maior. Esse composto é particularmente notório no primeiro álbum - genialmente baptizado Sometimes I Sit and Think, And Sometimes I Just Sit - e vem servido numa simplicidade que marca distâncias para o intelectualismo dominante no orbe indie actual; mais do que procurar alinhar-se com qualquer tendência, Barnett defende a autenticidade das suas canções. Guitarra, baixo, bateria, a trindade sacrossanta do rock...é preciso mais? E depois vêm as histórias, quase sempre humoradas e sempre bem escritas, cantadas com o mágico desencanto de quem se está nas tintas para os cânones do melodismo mais tradicional.

No fundo, a música de Barnett é refrescante por ser desprendida de tudo, tão deliciosamente perto da grandiosidade quanto da mais mundana das ingenuidades. Ou de como uma pode ser o catalisador imprevisto da outra. Destes jogos de correspondências só podia nascer um dos mais desafectados discos que o rock conheceu nos últimos tempos. E Courtney Barnett, mesmo estando a borrifar-se para isso ("Put me in a pedestal and I'll only disappoint you"), faz-se merecedora da atenção mediática nos anos vindouros. Para já, não decepciona ninguém.

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quinta-feira, 23 de abril de 2015

Kendrick Lamar - To Pimp a Butterfly


8,4/10
Top Dawg Entertainment/Universal, 2015

A consagração quase unânime dos últimos anos, sobretudo depois da impressionante rendição universal a Good Kid, m.a.a.d. City, não apanhou Kendrick Lamar desprevenido. No lugar dele, o mais comum dos mortais colheria os louros do êxito e descansaria placidamente na (lucrativa) descoberta da galinha de ovos de ouro, limitando-se a replicar a fórmula com pequenas derivações e fazendo vida de estrela rica. Se prevalecesse essa "normalidade", To Pimp a Butterfly nem estaria perto de ser o densíssimo exercício de subversão que é, tanto no conceito como na execução. Não é uma descontinuidade absoluta da boa música que vinha no antecessor - nem fazia sentido que o fosse -, mas o californiano ensaia aqui uma apresentação diferente das suas ideias. Desde logo, a música é servida, a maior parte do tempo, na elasticidade de uma base instrumental jazzística em trio (piano, saxofone e baixo), dando ao disco uma ambivalência valiosa entre a densidade e a energia próprias de um improviso. Essa volubilidade instrumental acaba por  empurrar o registo vocal de Lamar para pontuais aventuras a que talvez nem ele antevisse semelhante sucesso ("u" é amostra paradigmática).

Em tudo o mais, a música de To Pimp a Butterfly é labiríntica e esteticamente plural (passa com coerência por várias escolas)  e, também por isso, requer zelo redobrado na audição. É música sem concessões, deliciosamente caótica e dissonante, cada vez mais longe do formalismo radio-friendly e com clara intenção de motim estrutural. Nesse particular, Lamar empresta ao rap moderno o quinhão de surrealismo apenas ao alcance dos predestinados e junta-lhe dimensões narrativas que espelham cruamente a ainda intolerável fragilidade negra na América bélica e abusadora de hoje. E abrir o disco com um sample de "Every Nigger is a Star", do jamaicano Boris Gardiner, é sintoma da convicção insurgente de Kendrick Lamar, também ponderosamente ilustrada na capa. E se há alguém com autoridade artística para expor podres, atropelar poderes instituídos e festejar nos jardins da Casa Branca, é certamente ele.

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sexta-feira, 17 de abril de 2015

Tobias Jesso Jr. - Goon

 8,1/10
True Panther, 2015

Para quem se propunha ser baixista e começou tardiamente a aprender piano, seria difícil adivinhar um debute discográfico ancorado precisamente no mais nobre dos instrumentos de cordas. Já a sonoridade setentista baladeira do disco desvenda porque é que o canadiano Tobias Jesso Jr. é apadrinhado por Chet White, produtor e baixista do extinto duo Girls, também ele descendente dessa escola musical e, portanto, avalista documentado daquilo que Jesso lhe fazia chegar em rústicas demos desde a primeira hora e que, afinal, viria a ser o passaporte para a inevitável emancipação artística como compositor e intérprete. Essa inevitabilidade percebeu-se assim que tomaram expressão pública as criações de Jesso, sobretudo pelo falatório cibernético em redor de "Hollywood", primeiro (ainda em 2014), e especialmente a gloriosa "How Could You Babe", duas amostras tremendas do romanesco moderno do canadiano. Nem se trata de ser um baladista como nunca se (ou)viu, tampouco de fazer música medularmente revolucionária; é da simplicidade de estrutura e, sobretudo, da coerência melódica que respiram as canções - Randy Newman e John Lennon são luminárias omnipresentes - que brota o seu fascinante magnetismo.

Não faltam predicados a Goon para recolocar a balada fantasiosa no mapa mediático da música contemporânea, sem concessões e fugindo ao preconceito com que muitos tentam diminuir estas peças, esquecendo o essencial: se elas sobreviveram à voragem YouTube, passaram pelo crivo do estúdio sem perderem essência e continuam assim cativantes, bem construídas e irresistíveis, certamente não lhes falta solidez. E isso só pode querer dizer que não são canções de somenos. 

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terça-feira, 24 de março de 2015

Lightning Bolt - Fantasy Empire


8,2/10
Thrill Jockey, 2015

Os Lightning Bolt são um verdadeiro case study de como um produto musical de nicho pode desafiar o seu confinamento estético "de origem" e chegar a públicos e palcos díspares. Alguma razão há-de haver para a improvável longevidade (de quase uma vintena de anos) e reconhecimento do noise agudo de Brian Chippendale e Brian Gibson. É deles um quinhão importantíssimo da visibilidade que o género ganhou nos circuitos mediáticos, em razão de uma discografia consistente e definidora e, talvez até mais do que isso, dos lunáticos assaltos sónicos que o duo promove em palco (ou no meio do público, como acontece amiúde). Seja como for, os Lightning Bolt são uma força para não ser ignorada; goste-se ou não do radicalismo do género, há uma aura triunfalista na música deles que mexe com o mais empedernido dos resistentes. Se, depois, se é convertido ao estilo ou não, é outra conversa, mas essa curiosidade primária fica e é precisamente por ela que os Lightning Bolt se tornaram aquilo que são hoje. Musicalmente, a coisa é simples: volumes bem amplificados, a bateria furiosa de Chippendale e o baixo musculado de Gibson, sem ornatos ou enfeites, sem manipulação, apenas electricidade, urgência e implosão de ruídos crus.

No primeiro álbum pela ecléctica Thrill Jockey, e o sétimo do percurso, o bombardeio impiedoso da dupla segue sem cedências de qualquer ordem, embora se perceba que é o seu registo mais cuidado na produção e no detalhe e definição das texturas. Nesse particular, Fantasy Empire converge com os momentos mais inspirados dos LB, o que nem é de estranhar dada a longuíssima gestação de seis anos - hiato que também serviu para Chippendale se aventurar a solo como Black Pus - e as sucessivas depurações que adiaram o lançamento. No final, o disco é tão insanamente inspirado, tão delirantemente elástico e áspero como se esperava. Afinal, seis anos sem uma sova maníaco-agressiva aos tímpanos não pediam menos do que isto.

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sábado, 21 de março de 2015

Afonso Pais - Terra Concreta

7,1/10
2015

Foi o background formativo firmado nos domínios do jazz que fez de Afonso Pais um admirador do improviso e da espontaneidade que lhe está ligada. Também por isso, a sua música se tem afirmado - e o próprio autor sublinha o facto - como uma colecção de impulsos, o reflexo dos mais elementares (e naturais) ímpetos de criação, sem o espartilho de formas e tempos. Em certo sentido, o processo artístico do guitarrista tem sido uma busca muito auto-consciente dos trilhos menos óbvios (ou menos imediatos) que ligam um qualquer elemento inspirador, necessariamente vago e abstracto, à sua concretização, depois, na forma de uma composição terminada. O método que leva a essa transformação lida com possibilidades infinitas de tom, de tempo, de espaço, de matérias envolventes que, afinal, alimentam as escolhas do acto de criação musical em si. E é precisamente o reconhecimento dessa teia de relações entre artífice, estímulos e ambiente e da influência incontornável destes sobre aquele que nasce esta Terra Concreta. O disco é um documento musical que regista, sem a ingerência exagerada da edição a posteriori, uma compilação de trechos gravados fora de estúdio, em pleno ambiente natural, com recurso exclusivo a instrumentos acústicos e aceitando a interferência da panóplia de sons do mundo selvagem. A particularidade de cada trecho ser absolutamente irrepetível, pela própria circunstância da gravação dos sons envolventes, confere-lhe uma aura única.

Terra Concreta tem que ser visto como um interessantíssimo ensaio de simbioses entre criação musical e natureza. Não sendo, em essência, um trabalho experimentalista na composição - porque não funde efectivamente os sons naturais na matriz construtiva das peças (como na "verdadeira" musique concrète), antes os apresenta como conteúdo "cénico" - há aqui material suficiente para ter vislumbres de como funciona a inspiração "naturista" de Afonso Pais. A natureza está antes, a ideia mistura-se com ela e nasce o esboço que se faz canção. Abra-se o silêncio e escutem-se, pois então, essas canções na natureza.

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quarta-feira, 18 de março de 2015

Six Organs of Admittance - Hexadic

7,8/10
Drag City, 2015

Ben Chasny não tem um poiso estético definido, é um errante compulsivo e isso é particularmente notório no seu projecto musical a solo, quase a completar uma recheada década de edições dedicadas a especular sobre as possibilidades sonoras que podem começar nas cordas de uma guitarra. Aparte as suas colaborações regulares em colectivos do etiquetado movimento da New Weird America (a nova folk psicadélica), encabeçado mediaticamente pelo seu amigo Devendra Banhart, o guitarrista fez do conceito Six Organs of Admittance a sua sala de ensaios, em que a liberdade do trabalho individual lhe permite mostrar uma face mais efervescente da sua verve. Nesse espaço criativo, a canção enquanto objecto estruturado é secundária; o que importa é ir atrás de uma ideia e construir qualquer coisa em cima dela, sem formatações ou preconceitos. É também por isso que, na discografia Six Organs of Admittance, não existe sequer uma intenção de continuidade de álbum para álbum, antes o propósito de testar os limites de um instrumento enquanto produtor de sons. Em certo sentido, a obra de Chasny acaba por ser um desembaraçado exercício de musicologia da guitarra e, nesse particular, é um sucesso retumbante a que só o tempo virá a fazer justiça. Com mais ou menos electricidade, com registo vocal ou não, entre a música tradicional e o psicadelismo, entre blues e experimentalismo, com a ajuda pontual de percussão ou de orgãos, Chasny encontrou sempre matéria-prima para a sua demanda.

Hexadic põe termo a um hiato de três anos sem novas gravações e parte das derivações eléctricas inauguradas no antecessor Ascent (2011), levando-as a um extremismo novo no universo Chasny, sobretudo pelo enfoque inopinado na distorção. O resultado é uma implacável - talvez demais para os seguidores habituais de Six Organs of Admittance - e intrincada escalada sónica que desbrava terreno virgem na discografia de Chasny, sem contemplações e bem ao jeito (sem o ser) de uma lunática jam de improviso. Pode não ser o disco mais original do mundo, mas é mais uma oportuníssima achega ao cardápio de invenções de Six Organs of Admittance. Mas fica o aviso: apesar dos pedaços mais contemplativos, que também os há, Hexadic não é para tímpanos frágeis.

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Ibeyi - Ibeyi

7,3/10
XL Recordings, 2015

Filhas do percussionista Anga Díaz, falecido em 2006 e reconhecido membro do colectivo Buena Vista Social Club que levou a música cubana aos quatro cantos do globo, as gémeas Lisa-Kaindé e Naomi nasceram num ambiente musical riquíssimo em influências. Além do atavismo Yoruba que lhes é atribuído - e que está até no nome artístico que escolheram (traduz a divindade das gémeas, ao que parece) - e da proximidade sanguínea com a herança cultural latina dos progenitores (a mãe é a cantora franco-venezuelana Maya Dagnino), residem e foram criadas em Paris. No cosmopolitismo da capital francesa, encontraram nas matizes electrónicas o complemento de modernidade que une todas essas referências e dá sentido contemporâneo à espiritualidade orishá que lhes corre nas veias. Também por isso, o homónimo disco de estreia é coerente: encontra intimidades interessantes entre realidades musicais temporal e geograficamente distantes. O cajón e os tambores batá não podiam deixar de ser transversais aos ambientes emocionais do disco, ou não fossem ferramentas predilectas de Naomi na estruturação minimalista das canções que, depois, crescem com o piano esparso da irmã e demais avulsas aparições.

Em todo o caso, é efectivamente de minimalismo que é feito o disco,  umas vezes na mais óbvia tradução de uma espécie de ritual ou oração tribalista, outras vezes tão hipnótico como a mais pura peça de música urbana moderna (James Blake e Frank Ocean são luminárias confessadas pelas próprias) e sempre ancorado numa lógica percussiva muito equilibrada. Ainda assim, o feitiço ressonante das manas Díaz, esta encantadora mestiçagem entre pop moderna, ritmos de cuba e do caribe, jazz desconstruído e R&B que vem apaixonando críticos e melómanos, ganharia com um alinhamento mais curto, a depurar a família de canções daqueles instantes em que umas se parecem mais com outras e a sensação de repetição deslustra o êxito retumbante dos melhores momentos. Posto esse detalhe de lado, há aqui carisma mais do que suficiente para deliciar os apreciadores de bom experimentalismo de fusão. 

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sexta-feira, 13 de março de 2015

Da dormência colectiva à fidalguia da politiquice


A estranha dormência colectiva com que os povos ocidentais da Europa legitimaram, no último par de décadas, a ascensão de uma elite política sofrível e de moral (muito) controversa teria lugar em qualquer compêndio sociológico. Nem é caso exclusivo cá do burgo, onde se vão conhecendo tristes (mas importantes) manifestações de um epifenómeno que fere fatalmente o elo fiducial entre eleitos e eleitores e que se revelou, em momentos diferentes, um pouco por toda a parte, de Espanha a Itália, da Alemanha à França. Passos Coelho é apenas o mais recente inscrito num longuíssimo histórico de factos que devem preocupar-nos a todos. A discussão já nem deve estar no facto de o primeiro-ministro se ter esquecido ou se desconhecia uma obrigação contributiva que não podia esquecer nem desconhecer ou no montante em questão. Embora esses sejam detalhes sérios demais para passar ao lado, o que mais inquieta é a branda oposição do Partido Socialista a isto tudo. A esquerda mais à esquerda, sempre panfletária e rígida, não desaproveitou a oportunidade de radicalizar e pedir a demissão de Passos Coelho, cumprindo (bem) o seu mandato ideológico. Faça-se justiça a essas esquerdas: dormentes não são. Já o PS, ambíguo e vacilante como tem sido no costismo (e já o era no segurismo), assombrado pelo cárcere de Sócrates, ficou a ver a poeira assentar. Os custos políticos disto, para governo e oposição, hão-de contar-se num futuro próximo. Em todo o caso, o PS é o natural sucessor na alternância política do costume e, ao colar-se ao discurso da dormência, à complacente voz daqueles que aceitam o esquecimento/desconhecimento de Passos Coelho como uma ocorrência "normal", está no fundo a acolher o conformismo contemporâneo desta Europa falida. A aritmética é simples: mais de setenta por cento da comunidade electiva lusa está nos socialistas, nos centristas e nos sociais-democratas e todos são, directa ou indirectamente, cúmplices na rendição a esta cartilha libertina que fez da política uma mera politiquice austeritária que exige muito e cumpre pouco. Passos Coelho é só mais um desses príncipes de moralismo roto que povoam os faustosos palácios da lama política, cá e na família europeia. Tantos foram os comensais do banquete infinito que deu (e dá) de comer a muitas bocas, as mesmas que apregoam aos ventos o rigor e a cultura de exigência que não praticam.

E os povos dormem perante isto, permitindo aos fidalgos de pacotilha regalarem-se impunemente, no bailado cínico de cargos e favores, na dança vaidosa de influências de gaveta e poderes de envelope.

E os povos dormem na vergonha de serem representados pelos horríveis e tentaculares monstros que se tornaram essas coisas instituídas como profissionais da política, mendigos das subvenções, privilégios e imunidades, vendidos aos magnos impérios da finança e do capital, sequiosos da última gota da teta pública.

E os povos dormem. Admitem este miserável desfile do despudor, dos esquecimentos e incumprimentos, de empregos de favor e compensações milionárias.

E se os povos dormem esse sono colectivo, numa cegueira inerte que não vê porque não quer ver, que não age porque não quer punir, que não pune porque, afinal, apenas quer um quinhão do "bolo" para si, as sociologias enxergariam uma verdade perturbadora, atrás dos panos opacos:  os povos e os eleitos são prole da mesma moral viciada e dela herdam defeitos e ambições. No fim, somos todos a mesma família. Só os despertos é que pagam.


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quinta-feira, 5 de março de 2015

Pond - Man It Feels Like Space Again

7,7/10
Caroline, 2015

A inopinada revelação dos australianos Tame Impala, nos últimos anos, abriu portas para os conterrâneos (e mais antigos) Pond, também oriundos de Perth e que vêm "emprestando" alguns dos seus integrantes ao colectivo de palco daqueles. Essas sinergias circunstanciais fazem sentido por nascerem da comunhão de estilos entre as duas trupes, ambas envolvidas na onda revivalista do psicadelismo que colheu simpatias em larga escala, um pouco por todos os quadrantes do panorama musical. Ainda assim, e a despeito da coincidência nas referências e da partilha de músicos, não há muito mais coisas em comum entre os Pond e os Tame Impala. Desde logo, a abordagem aos espaços psicadélicos é substancialmente diferente, sem apreciações de valor: o que nos Tame Impala é estrutura, nos Pond é improviso, o que nos Tame Impala é disciplina, nos Pond é desaforo, o que nos Tame Impala é afectação, nos Pond é relaxe. Tudo isto são motivos de sobra para a empatia instantânea que a música dos Pond fomenta, graças ao talhe descontraído e à intuída anarquia formal a que elasticamente se adapta e que tão bem serve os propósitos do psicadelismo.

À nascença este Man It Feels Like Space Again, sexto opus em outros tantos anos de existência, tinha já sobre si o oneroso encargo de suceder ao par de discos mais louvado, cada qual à sua maneira, na discografia dos Pond. Na forma, nada de especialmente revolucionário: estão cá as tradicionais ferramentas rock (que eles revolvem como poucos) e, talvez um pouco mais notadas, as cores dos sintetizadores. Mesmo não sendo o mais experimental dos discos dos Pond, Man It Feels Like Space Again é uma guloseima caleidoscópica, com teatralidade a rodos, com contrastes de tempo, tom, ambiente e direcção, com canções de géneros e feitios que mudam. E isso é, no fim, a fascinante identidade dos Pond.

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quarta-feira, 4 de março de 2015

Bizarra Locomotiva - Mortuário

8,2/10
Rastilho Records, 2015

Num meio musical pouco dado à crueza do torpemente chamado rock industrial, os Bizarra Locomotiva souberam impor-se, ao longo de uma vintena de anos, como voz nacional líder desse movimento que, sendo ingenitamente marginal - por professar um surrealismo corrosivo pouco amigo de ouvidos dóceis -, atinge circunstanciais picos de visibilidade e mediatismo. Um desses estados de graça momentâneos aconteceu para os BL (ainda com Armando Teixeira), com a inesperada maturação artística mostrada em Bestiário (1998) que, depois das manifestações incipientes que o antecederam e volvidos todos estes anos de percurso, veio a tornar-se charneira na discografia da trupe de Rui Sidónio, por ter inaugurado verdadeiramente uma linguagem musical plausível para o futuro, granjeando a pulso um espaço no (então) muito pouco atrevido orbe musical português. De então para cá, e depois do menos inspirado Homem Máquina (2002), Armando Teixeira desistiu e temeu-se que a locomotiva saísse dos carris. Com Ódio (2004), primeiro, e sobretudo com Álbum Negro (2009), o cepticismo desse prognóstico foi desmentido, sem apelo nem agravo. Esse par de registos desferia uma nova ebulição e amplitude na música dos BL, tão cáustica e autoritária como antes, mas mais precisa e objectiva na construção de ambientes (e canções), sem prescindir do sedimento identitário de Bestiário.

Este Mortuário aceita a escolta do passado recente, segue-lhe os méritos e sublima-se numa ópera industrial, como a própria banda gosta de rotulá-lo. O propósito era, na concepção teórica, construir um disco capaz de capturar a alma incendiária das actuações ao vivo. E, de facto, Mortuário, sendo um dos registos mais ásperos (na música e nos textos) do grupo, conserva a profusão de energias que eles libertam em palco, muito à custa do acrescento de resíduos próprios dos live takes, como as ressonâncias de público e instrumentos, por exemplo. Musicalmente, é inegável que se acham aqui alguns dos mais sumptuosos trechos da carreira dos BL - e até cabe uma revisão livre de "Intruder", de Peter Gabriel - e, também por isso, Mortuário enriquece aquele imaginário agudo e sinuoso com que os decanos do rock industrial nos vêm colonizando a mente há anos, à força de ácidos que fervem. Sem válvula de segurança.

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segunda-feira, 2 de março de 2015

Os Capitães da Areia - A Viagem d' Os Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70

7,9/10
Amor Fúria, 2015

Não tínhamos notícias discográficas deles há quase quatro anos quando, pela Amor Fúria, nos deram o primeiro registo com corpo de álbum, no seguimento de um punhado de canções soltas que puseram sobre Os Capitães da Areia a curiosidade dos melómanos nostálgicos dos anos 80 da pop lusa. Quando passou o efeito desse disco (O Verão Eterno), embora sem expressão mediática verdadeiramente significativa, ficamos convencidos de que naquele quarteto de "capitães" radicado em Lisboa havia sumo suficiente para muito mais. No fundo, os rapazes davam-nos um cheirinho do que podia ser música pop (ou pope, como eles preferem grafar) jovial e soalheira, com a luminária sempre presente de gente como os Heróis do Mar ou os Radar Kadafi, mas capaz de acolher referências de contemporaneidade oportunas. Ainda assim, poucos adivinhariam que no regresso do grupo aos discos, depois do quase silêncio dos últimos tempos, estaria um espirituoso álbum conceptual, coisa rara cá pelo burgo e mais própria de criaturas enfatuadas. E, mais ainda, que esse disco tivesse como mote a viagem intergaláctica do agora quinteto, a bordo do velhinho centro comercial Apolo 70, feito nave de ocasião.  Na história musicada que segue o alinhamento desfilam convidados de vários quadrantes; a saber, sem nenhuma ordem em especial: Capitão Fausto, José Cid, Samuel Úria, Toy, Rui Pregal da Cunha, Tiago Bettencourt, Bruno Aleixo, as Adufeiras de Monsanto, Miguel Ângelo, Lena D'Água...e a lista continua, em setenta e cinco minutos de música sem interrupções.

Na proposta musical propriamente dita, há motivos de sobra para considerar que este álbum pode figurar nos momentos históricos da pop portuguesa, não apenas porque raramente os protagonistas da nossa cena musical arriscam desta maneira, mas sobretudo porque a música que aqui vem é boa. O psicadelismo electrónico e o desprendimento formal moram aqui, como convém numa empreitada deste género, mas a produção apuradíssima (a cargo do "boss" Manuel Fúria) é o verdadeiro fio condutor que dá sentido à saturação de ideias desta viagem louca. Refine-se tudo com sentido de humor (mesmo com alguns interlúdios inanes) e aí está um disco com uma virtude incomum e que passará despercebida aos mais presunçosos: é o álbum conceptual menos pretensioso da história.  E isso só pode ser coisa louvável. Afinal, é bom quando nos levamos menos a sério.

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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Father John Misty - I Love You, Honeybear

8,9/10
Sub Pop Records, 2015

Olhando em retrospectiva o que tem sido a vida artística de Joshua Tillman, percebe-se que, aos 33 anos, ele já fez mais do que muitos numa carreira completa. Descoberto casualmente por Damien Jurado, e por ele apadrinhado desde a mudança para Seattle, quando tinha apenas 21 anos, Tillman não mais parou de fazer (boa) música, fosse em registo acústico intimista em nome próprio (assinando J. Tillman), fosse nos muito justamente aclamados Fleet Foxes (como baterista e voz de suporte) ou como Father John Misty, a sua mais recente persona musical, criada depois da saída dos FF. Embora o próprio Tillman desvalorize a sua passagem pela trupe de Seattle, considerando-a um mero exercício circunstancial, a verdade é que, depois desses quatro anos, a música dele abriu-se e o mundo abriu-se para ela. O primeiro registo como Father John Misty, de há três anos, embora não pusesse de parte as premissas que se conheciam, revelou uma escrita à procura de refundar-se. Desanuviar a morbidez grotesca do J. Tillman eremita, quase sempre sozinho com a guitarra e os fantasmas negros, era o passo óbvio para essa reconstrução e fazê-lo implicou acolher orquestrações, melodias mais abertas e um sentido de humor refinado na auto-crítica.

Volvidos três anos, com um casamento de permeio, já quase não há o "velho" Tillman em Father John Misty. A voz vence a depressão de confessionário e o cepticismo contra tudo o que é o romântico. Longe do acabrunhamento do passado, as canções são objectos coloridos (esqueça-se o desconchavo electrónico de "True Affection") e cheios de fantasia, graças às orquestrações de ampla majestade, aos coros e a um requintado pendor melódico. I Love You, Honeybear torna-se, então, um acto extraordinário, para nós e para Tillman. Para ele, é um segundo (e melhor) momento de epifania, em que o alter ego musical se emancipa dos medos e se decreta como ente maior que não se esconde mais. Para nós, com canções deste calibre, a revelação é outra: Tillman como Father John Misty, mesmo com toneladas de cogumelos em cima, pode ter-se convertido no melhor (e mais bem humorado) narrador do amor e seus efeitos colaterais.

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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Viet Cong - Viet Cong

8,6/10
Jagjaguwar, 2015

Embora este seja oficialmente o debute dos canadianos Viet Cong em disco inteiro, Matt Flegel (voz e baixo) e Mike Wallace (bateria) já têm inscrita no currículo a reconhecida passagem pelo colectivo Women, onde deixaram registo de afinidades com as formas mais truncadas do rock. Atrás desse intelectualismo, não se adivinhava o impulso experimental com que a nova chancela se apresenta. Este universo de sons vale-se de uma desordem controlada que, no paradoxo das primeiras audições, confunde audiências como um gosto adquirido. Depois, o disco vai crescendo em nós, destapa surpresas a cada escuta e compõe um cenário mais coerente do que se supunha, a ponto de até o abuso da disrupção se tornar apelativo. Entre o caos e a ordem, o fio da navalha corta tanto como as guitarras, a percussão é firme, as vozes seguram-se no saturado tecido de sons, sem favores de piedade. As canções fluem cruas e taciturnas - o que levou à preguiçosa comparação com os Interpol - num desfile estético que acolhe quase todas as etiquetas que adjectivam o rock: noise, art, pós-punk, psicadelismo, kraut, garage. E mais houvesse.

Viet Cong é um disco ambicioso até à molécula e, ainda assim, imediato e vibrante. Mesmo com as incongruências e o frenesim próprios de um remoinho experimental, a coisa encontra um estranho (e interessantíssimo) equilíbrio; é como a sensação de correr, a ofegar, pelos corredores de um labirinto enorme, sem encontrar a saída. Desassossego até aos poros, é o que é. E a corrida, pintada a preto e branco, torna-se uma imperdível digressão emocional.

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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A cínica moralização da austeridade



O posicionamento estratégico do Estado português face à crise grega é qualquer coisa de inquietante. Perceber que a inflexibilidade maior, em pleno Eurogrupo, parece ter partido precisamente daqueles estados que, como Portugal, em razão das circunstâncias, menos terão a ganhar com ela merece uma reflexão mais profunda sobre aquilo em que veio a tornar-se a União Europeia e suas repercussões políticas. É hoje claro o afastamento do processo de construção europeia face aos ideais originais e a sua subversão a escalonamentos político-estratégicos que clivam distâncias entre estados-membros teoricamente tidos como iguais. Nem se trata tão-somente das óbvias (e inultrapassáveis) diferenças de peso político e de dimensão económico-financeira que, afinal, foram firmadas pelo curso da história e estariam sempre presentes, independentemente da direcção tomada pela evolução da Europa enquanto comunidade. O debate está, agora, centrado na divisão "moral" dos estados, o perverso maniqueísmo que isola a Grécia e que, antes disso, já permitira, por exemplo, a banalização (na opinião publicada) do epíteto P.I.G.S., sob o qual se arrumaram infamemente os países com problemas mais profundos de dívida externa. Essa compartimentação moral do espaço europeu conheceu novo episódio quando Maria Luís Albuquerque, com servilismo bobo, se deixou mostrar como símbolo da boa conduta austeritária. Wolfgang Schäuble sabia o que estava a fazer, ao jeito de um sinistro professor que exibia à turma europeia a sua mais obediente aluna, isolando ainda mais o "mau aluno" grego. A moralização da austeridade que Schäuble queria promover só serviu, em último caso, para a agudização de posições que se viu nos dias seguintes. Maria Luís Albuquerque inflou-se de jactância e pugnou, qual títere alemão, pelo endurecimento da negociação com as autoridades gregas, em plena reunião do mesmo Eurogrupo que, umas dezenas de meses antes, olhava para Portugal do mesmo soslaio que agora vira para a Grécia. E ver o estado português, agrilhoado por uma situação sócio-económica que todos os dias põe pontos de interrogação no horizonte, a alinhar convictamente com o cinismo desta tentativa de moralização da austeridade é perturbador. 

Moralizar a austeridade é, a meu ver, um erro de percepção das suas consequências e do actual momento europeu. É perigoso considerar um sucesso o que se passou em Portugal nos últimos anos. Os juros da dívida caíram, mas a dívida não. O garrote financeiro deixou serviços públicos à beira do colapso e atirou para o limiar de pobreza milhares de famílias. O desemprego subiu acima dos dois dígitos e tarda em regredir. Passar ao lado destes (e outros) factos, aqui, na Grécia, em Espanha, na Itália e onde quer que seja, é intelectualmente desonesto. Esquecer que a construção europeia não pode deixar de ser uma caminhada humanista, orientada para as pessoas e para o bem comum é perder o seu desígnio último. 

Há também quem venha ensaiando uma bizarra moralização política do recente plebiscito grego. Bem ou mal, e isso é sempre discutível, os gregos fizeram a escolha democrática de repudiar a estratégia que os empurrou para um caos arrepiante. E, também aqui, no domínio das opções democráticas, não há lugar para moralizações. A democracia faz-se de escolhas de uma comunidade e de como elas, reunidas em maioria, se tornam a sua representação legítima. Isto é inquestionável. Confundir, depois, a escolha dos gregos com renúncia ao pagamento da dívida é uma falácia mal-intencionada que serve a muitos, cá dentro e lá fora. Numa discussão séria, talvez seja chegada a hora de procurar, no mais saudável espírito humanista e de cooperação, a solução equilibrada para os países devedores conseguirem pagar aquilo que parece impagável. E isto não isenta de culpas a governação irresponsável que acumulou dívidas, nem significa o perdão destas. Significa, isso sim, a assunção responsável de um problema sério e que, a bem da sobrevivência do ideal europeu, só pode ser resolvido em sintonia. 


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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Panda Bear - Meets the Grim Reaper

7,8/10
Domino, 2015

Já não há dúvidas: cada disco que Noah Lennox faz nascer é um acto de atrevimento. Parece fervilhar nas veias do americano, tornado célebre como quinhão importante dos seminais Animal Collective, uma bizarra excitação com a anormalidade pop. Ao quarto registo individual, pode dizer-se que já passou o ponto de não retorno e não se tem dado mal com o propósito de desmontar convenções e de as virar do avesso, no devaneio individual que começou, há onze anos, com o despojo fracturado do quase-acústico Young Prayer, até chegar ao delírio electrónico deste Meets the Grim Reaper. Nesse percurso, a música de Lennox mudou de traje algumas vezes, é certo, também conheceu amplitudes diferentes, mas conservou sempre o experimentalismo e levou-o a limites de excentricidade que nunca poderiam caber em canções convencionais. Panda Bear é, afinal, uma marca musical de impulsos e isso é particularmente evidente neste novo disco. De um lado, está o ímpeto (incontinente?) de saturar as canções com tudo e mais alguma coisa que seja electrónica e, ao mesmo tempo, conseguir mantê-las leves, melódicas e, no final, atraentes como um sonho.

Quando acontece, como neste Meets the Grim Reaper, que Noah Lennox encontra os caminhos melódicos para escapar dos seus próprios delírios, o universo Panda Bear ganha improvável verosimilhança e é precisamente aí que nos cativa. E este talvez até seja o exercício mais gracioso de Lennox, pelo menos tanto quanto pode sê-lo um disco forjado pela sua mente efervescente, provando-nos que a jornada em desafio do som (e da canção) está longe da meta e, ainda assim, pode dar-nos cândidos momentos de música.

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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

José González - Vestiges & Claws

6,6/10
Mute, 2015

Não fossem os dois álbuns gravados em parelha com Tobias Winterkorn, sob o epíteto Junip, e já teriam passado oito anos desde o último trabalho de José González (In Our Nature). Um hiato demasiado longo, dirão alguns, sobretudo por ter-se seguido ao momento em que o cantautor sueco de ascendência argentina granjeara um invejável auge de reconhecimento da crítica, em razão da progressiva afirmação de um cancioneiro de intimismo folk e que nem sequer teve seguimento directo nas composições de Junip, mais abertas e expansivas. Todavia, essa descontinuidade  formal no percurso de González - não necessariamente uma suspensão -, acabou por não contaminar os planos essenciais da sua música. É também por isso que este Vestiges & Claws resulta mais como exercício de retoma, tão familiarmente leve e contido quanto os antecessores, do que como o impulso de reinvenção (que não tenta ser).

A zona de conforto de um artista é território perigoso, mais ainda quando se tem uma visão quase extremista do minimalismo, o campo de criação musical que é, por definição, menos elástico. Nestas circunstâncias, o risco de confundir aprimoramento de fórmulas com estagnação é um facto sempre presente. Não é que Vestiges & Claws seja um trabalho conformado, nem sequer é o mais minimalista dos discos de González, mas não evita a sensação de repetição. Está cá a voz quente do trovador sueco, está cá o dedilhado consistente da guitarra e, juntos, derivam para um silogismo provável: José González é ele mesmo, o mundo folk precisa dele como é e, portanto, todos devemos estar gratos por Vestiges & Claws. Só lhe falta um pouco de rasgo.

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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O prurido ideológico de Passos Coelho

É claro que ver o governo de Passos Coelho, comprometido com a obsessão austeritária que tomou de assalto a Europa nos últimos anos, na da crise das dívidas soberanas,  alinhar com o posicionamento do novo governo grego seria imaginar um impensável casamento entre a social-democracia mais mercantilista e o esquerdismo radicalizado (e humanista) que lhe está nos antípodas. Aí, não haveria lugar a ilusões. Portugal cumpriu, com zelo obediente, o programa de assistência financeira dos últimos anos e, ainda que a custo de uma das crises sócio-financeiras mais onerosas da sua história, puxa desses galões e mostra-se à Europa com a fátua prosápia de um país "recuperado" e que avança ufanamente para a antecipação de amortizações da dívida aos parceiros da troika. A Alemanha gosta, a Europa consente e o mundo segue. Mas pensar que Portugal está a cobro de problemas maiores e que, mais do que isso, passará imune por uma eventual saída grega do Euro é um erro estratégico que pode custar muito caro. Num momento tão crítico para a Europa, marcar distâncias para a posição grega e contribuir para o isolamento de um estado membro, é não perceber que as diferenças entre Portugal e Grécia são sobretudo de escala. A Grécia tem o monstro à sua frente, Portugal conseguiu apenas esquivar-se dele, mas não está a salvo. 
A encruzilhada financeira em que a Grécia se pôs, multiplicando imparavelmente a sua dívida, criou uma clivagem com o resto da Europa que parece irremediável. Isolada pelo peso dessa dívida aparentemente incobrável e, agora, também pelo preconceito ideológico das potências dominantes, à Grécia resta uma de duas vias: ou alinha com a estratégia comum europeia e prossegue as políticas dos últimos anos que não tiraram o país do abismo financeiro, ou deserta do Euro. A primeira hipótese é liminarmente rejeitada pela equipa governativa de Tsipras. A segunda pode ser o início do fim do processo de integração europeia. É por isso que a escolha por qualquer dos caminhos da bifurcação estratégica grega é, também, um problema europeu, primeiro, e português, depois. Passos Coelho não quis perceber que uma eventual saída da Grécia do Euro arrastará Portugal. Um Estado-membro deixar a União é um cataclismo político-financeiro de tal ordem que fará disparar o cepticismo dos mercados quanto à viabilidade de todo o edifício da Europa unida. E esse fantasma da dúvida, assim que a Grécia renuncie, assombrará imediatamente Portugal, ou não fossemos nós aqueles com maiores problemas de dívida externa depois dos gregos. A escalada dos juros dos países em situação mais periclitante (Portugal, Espanha, Itália, por exemplo) seguir-se-á à saída grega e, com ela, o desabamento dos equilíbrios tremidos conseguidos nos últimos anos. Passos Coelho e o seu governo, também o Presidente da República, não quiseram ainda perceber que a eventual exclusão da Grécia determinará, senão no imediato e sem outras medidas de emergência, a necessidade de um novo resgate para Portugal. Mais dívida e mais austeridade. É este ciclo vicioso que importa parar. E pará-lo implica evitar, até ao limite, a saída da Grécia.

Não ver que esta questão só pode ser um imperativo nacional é um erro estratégico gravíssimo de Portugal. O prurido ideológico não pode ultrapassar o interesse do país. Portugal e Grécia têm governos ideologicamente muito distantes, mas interesses comuns nestas matérias. A questão não é ideológica, já nem é puramente financeira. Não perceber que as ondas de contágio de uma deserção grega podem precipitar Portugal para o terrível ostracismo que agora impende sobre os gregos, não entender que podemos ser os seguintes da depuração financeira da zona Euro, é uma cegueira incomportável para o país.

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Björk - Vulnicura

8,8/10
One Little Indian, 2015

Se há coisa que não pode dizer-se sobre Björk é que seja uma artista acomodada. Desde os primeiros passos da sua já extensa caminhada musical, se percebeu um fôlego criativo absolutamente invulgar e sempre em demanda por coisas novas, por cruzamentos improváveis de géneros e até por alargar fronteiras do que deve ser um produto musical. Se não bastasse, para percebermos a revolução paulatina de Björk, o seu recorrente aprofundamento da mistura entre electrónicas e elementos acústicos, a caminho de uma visão ímpar e que envolve um detalhismo quase microscópico (mesmo científico) e, ao mesmo tempo, a amplitude de uma verdadeira obra orquestral, o inovador Biophilia, de 2011, inquietava ainda mais: buscava a união entre tecnologia e mundo natural. Depois de uma empreitada com esse peso, com reacções díspares de crítica e de admiradores, e sobretudo na sequência da separação do seu companheiro de treze anos, mesmo o mais inconvencional (e inquieto) dos espíritos, há-de sentir-se irremediavelmente mundano.

No caso de Björk, a chapada da vida foi um chamamento de realismo que não mudou a essência da sua música. Vulnicura, com a colaboração de dois novatos muito requisitados na electrónica hodierna - a saber, o venezuelano Arca e o britânico Bobby Krlic (The Haxan Cloak) -, repisa a mistura entre electrónica e orquestração, com a sedução vulcânica do costume. Desenganem-se aqueles que esperam um registo de genuíno intimismo, como seria "normal" num disco com a aura de uma separação, em que a música tende a converter-se numa expressão de formas mínimas, mais assertivas e emocionais. Em Vulnicura, a emoção não deixa de ter essa vulnerabilidade, mesmo a tonalidade obscura e ambígua, mas ajusta-a ao devaneio hiper-musical que fez de Björk um ícone da excentricidade elegante. Aqui, só mudou a palete de cores e, do garrido para o pardo, nasceu um dos melhores discos que ela deu ao mundo.

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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Natalie Prass - Natalie Prass

8,1/10
Spacebomb/Popstock, 2015

Depois de alguns anos como incógnita teclista e voz de suporte de Jenny Lewis ou até como coadjuvante pontual dos The Gaslight Anthem, Natalie Prass dificilmente escaparia à influência da música genuinamente americana, algo que até a sua ligação de nascimento a Nashville não disfarçaria. Em todo o caso, a verdade dessa consideração inicial é apenas pequena parte da equação musical que o primeiro disco em nome próprio revela. Reduzir este álbum a isso é passar ao lado da essência de um corpo de canções muito bem conseguidas, com um curiosíssimo sentido de sofisticação pop e uma multitude emocional que vai muito além dos rudimentos costumeiros da country/bluegrass que normalmente merece esse rótulo basilar: americana.

Desde logo, o trabalho de arranjos aponta a horizontes mais ambiciosos e até, aqui e ali, muito próximos da pop de câmara, ora servidos em cordas, ora em metais, sempre no pressuposto de fazer crescer as melodias, afinal o tutano tão valioso do disco, sem as subverter em delírios de grandeza instrumental. É disso mesmo que se trata, de um registo que valoriza o compromisso com a melodia e que não perde o norte, mesmo quando a lírica parece abrir universos díspares da personalidade de Prass. De um lado, a rendição aos amores falidos; do outro, a revoltada resistência à decepção. Mais importante que tudo o resto: nunca sai diminuída a emotividade confessional do disco, nem com a magnitude instrumental, nem com a limitada delicadeza vocal de Prass, fintada pela obstinação. Todos os condimentos de um épico de bolso, portanto.

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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Vitorino Voador - O Dia em que Todos Acreditaram

7,0/10
Azáfama, 2015

Com a expansão mediática que os Diabo na Cruz e os You Can't Win, Charlie Brown tiveram nos últimos anos, é natural que João Gil (multi-instrumentista de ambos os projectos) tenha sentido a necessidade de um espaço de expressão própria. Vitorino Voador é o alter-ego nascido desse processo de natural emancipação de ideias musicais sem cabimento no espaço criativo das bandas que integra. Depois de um EP suportado pela Optimus Discos que foi, afinal, a porta aberta para esse universo sonoro particular e para a personagem imaginada atrás do epíteto Vitorino Voador, o primeiro longa-duração tornou-se inevitável. O Dia em que Todos Acreditaram dá mostras do apuramento da fórmula, sobretudo nos arranjos mais complexos, sem prejuízo da intimidade do disco. Está cá a mesma fragilidade confessional que se conheceu antes e que se fez identidade de João Gil. Ao mesmo tempo, percebe-se que a linguagem Vitorino Voador é um work-in-progress que se vai erguendo pacificamente em volta desse princípio, mas sem um conceito formal definido. Das pequenas incongruências que daí resultam não vem mal ao mundo; afinal, este é o primeiro disco inteiro de Vitorino Voador e o próprio João Gil reconheceu, em entrevista recente, que não sabe para onde o leva este voo.

Há qualquer coisa de planante, com a elegância da melhor música ambiente que se arruma em coordenadas de pop madura e de minimalismo melódico. Aí, encontram-se ingredientes acústicos (piano e guitarra) e impurezas electrónicas, unidos umbilicalmente pela voz fantasmal, quase irreal. A combinação é equilibrada, faz sentido e fica lançada a premissa deste voo: vá para onde for, o Vitorino Voador tem asas para crescer.

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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Sleater-Kinney - No Cities to Love

7,7/10
Sub Pop Records, 2015

Tendo sido parte nuclear dos motins femininos que emergiram do rock americano em meados da década de noventa, o trio Sleater-Kinney veio a estabelecer-se como uma das mais firmes descendências do punk durante cerca de uma década, galgando as fronteiras do underground com linguagens estéticas simples mas assertivas, em suporte de um discurso de emancipação da mulher e de uma certa libertinagem sócio-política. Corin Tucker, Carrie Brownstein e Janet Weiss rapidamente se tornaram favoritas de certas facções da crítica especializada, em razão de uma discografia consequente e que, a despeito de não brotar um grande êxito (comercial, bem entendido), ergueu um catálogo de canções cheias de intenção, num registo panfletário muito ao jeito do sentido de urgência insurrecta da época. O fenómeno foi crescendo, talvez até mais do que lhe estava destinado, tocando gradualmente públicos maiores, sobretudo a partir da viragem do século e até à dissolução (inesperada e inexplicada) do trio, já em 2006. Alguns projectos paralelos depois e uma década volvida desde The Woods, anterior registo de estúdio, as Sleater-Kinney reaparecem como tinham ido: envoltas na mesmíssima enigmática surpresa que as empurrou para o hiato de dez anos.

E que dizer deste No Cities to Love? O orbe rock é hoje um leito de acomodação que tem pouco que ver com o ADN das Sleater-Kinney. O espírito insurgente delas não é senão um oásis num mundo musical em que o idealismo é mandado às malvas e trocado pelo experimentalismo sónico e a lírica certinha. Talvez por isso, a primeira impressão (ilusória) é de que No Cities to Love é um erro cronológico que não encaixa neste tempo. E esse é, em boa verdade, o melhor elogio que pode fazer-se ao oitavo disco do trio e à oportunidade do seu regresso. Continua a fazer todo o sentido este rock que, em galope urgente, se perfila para tomar posição face ao conformismo geral. E fá-lo à custa de construções melódicas muito precisas, apuradas até ao tutano, sem artifícios e fintas, e tremendamente eficazes a chegar onde querem. Tal como as Sleater-Kinney obravam há dez anos.

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Observação de jogadores: Domenico Berardi

Domenico Berardi (Sassuolo)

Natural da região da Calábria, no sul de Itália, despontou para o futebol nas academias jovens do Cosenza, mas chegou à idade sénior já no Sassuolo, em 2012. No ano seguinte, então com 19 anos, seria considerado o futebolista mais valioso da série B. Ainda em 2013, assinaria contrato com a Juventus, mantendo-se no Sassuolo por empréstimo até à presente época (2014/15).

Embora tenha preferência pelo corredor direito, pode ser utilizado em qualquer posição do ataque, seja nas alas ou como avançado de suporte. É um futebolista moderno, com rapidez de processos, agilidade e bom critério. Sabe passar, sabe investir no um-para-um, sabe assistir e aparece bem nas zonas de finalização. É perspicaz a a antecipar as ocorrências do jogo e a aproveitar o erro, por força de uma interpretação sagaz do espaço e da determinação que investe em cada iniciativa. Melhorou na execução das bolas paradas e dos passes para golo e tem tudo para vir a integrar a primeira linha do futebol italiano nos próximos anos.


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sábado, 24 de janeiro de 2015

Um Santo Vizinho



Observação de jogadores: Daley Sinkgraven

Daley Sinkgraven (SC Heerenveen)

Com um percurso firmado nas selecções mais jovens do seu país desde os sub-17, não surpreende que Daley Sinkgraven apareça agora entre as primeiras figuras do Heerenveen, a sua casa de formação. Na temporada 13/14, foi ganhando o seu espaço, pontuando com qualidade as aparições esporádicas no onze da província de Frísia. Na época em curso (14/15), é já um dos indiscutíveis e uma das estrelas em ascensão na Eredivise, alvo da cobiça de alguns grandes símbolos do futebol europeu.

É um dos centrocampistas que melhor pensa o jogo no futebol holandês, fruto da inteligência com que interpreta as movimentações colectivas e antecipa as acções de jogo. É um desbloqueador nato, rápido a decidir e executar, sempre com qualidade à procura da melhor solução para libertar a bola. Tornou-se um genuíno médio de construção, com notória facilidade no passe de transição/ruptura. Pode jogar na segunda linha do meio-campo, como médio puro de ataque ou interior esquerdo, embora ocasionalmente tenha jogado no corredor. No entanto, é no meio que o seu futebol respira melhor. Se tiver o crescimento competitivo que se espera de um jogador que tem dezanove anos, pode vir a ser um dos valores seguros do seu país para o futuro. 

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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Observação de jogadores: Cléberson

Cléberson (Atlético Paranaense)

Embora as primeiras coordenadas do seu percurso futebolístico tenham origem em Belo Horizonte (Cruzeiro), é um "produto" da formação do Atlético Paranaense, agremiação a que está ligado desde 2010. Dois anos depois de ter chegado a Paraná, debutou pela equipa principal, aos 20 anos, no ano de regresso do clube à Série A.

É um defesa central perfeitamente apto nas exigências do futebol moderno, sobretudo em razão da rapidez e agilidade, da apurada leitura dos momentos do jogo, do correctíssimo sentido posicional e da intensidade/concentração que empresta ao jogo. É muito forte na antecipação - é a sua imagem de marca - e interpreta bem os espaços de acção do jogo, as temporizações e a movimentação colectiva adversária. O jogo áereo (defensivo e ofensivo) é um dos seus recursos mais valiosos. Tem boa presença nas bolas paradas ofensivas, o que costuma render-lhe a concretização de alguns golos. "Brigão" (ao estilo do luso-brasileiro Pepe), raramente é batido em duelos individuais em velocidade. Não é o central mais elegante do Mundo, mas foi uma das figuras de destaque do Brasileirão 2014. Pode estar na calha uma saída para o futebol europeu.

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Best of 2014


Já está online a lista de melhores discos internacionais de 2014. Em breve, constará no sítio a lista de discos nacionais.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Benfica na Champions: a insustentável pequenez


Alguns méritos não podem ser tirados a Jorge Jesus. Desde a sua chegada ao Benfica, a equipa de futebol dos encarnados redimensionou-se, potenciou jogadores e foi capaz de desafiar consistentemente a hegemonia portista. O bom futebol, os activos valorizados e o estádio com boa lotação tornaram-se regra na Luz, o que constituiu - e nisso o mérito é também partilhado com Luís Filipe Vieira - um inequívoco incremento da percepção de valor da marca Benfica. Em termos de eficácia desportiva, ainda assim, o registo interno não é superlativo: 2 campeonatos em 5 anos. Numa análise mais fina, do trio de ligas perdidas para o Porto nesse período, duas foram praticamente "oferecidas", com responsabilidades directas de Jorge Jesus, ora pela gestão negligente do quadro de jogadores e das expectativas emocionais nos momentos de decisão, ora por uma avaliação táctica nem sempre acertada nos momentos-chave da época. Mesmo retendo essas falhas, o balanço junto do universo encarnado é positivo, sobretudo depois de quase vinte décadas de penúria, a ver desfilar a caravana das vitórias azuis e brancas. Internamente, a nação benfiquista revê-se na reaproximação ao F.C. Porto, o que colocou o Benfica na órbita que a sua história impõe. 

Se abrirmos a objectiva à dimensão europeia, mormente à Liga dos Campeões, é difícil disfarçar o incómodo dos fracassos redondos que, no mesmo período de cinco anos, ditaram a eliminação precoce na fase de grupos em quatro ocasiões. É certo que, em duas delas, a migração para a Liga Europa abriu portas para o mediatismo de duas finais (perdidas), mas importa perceber a pequenez competitiva do Benfica no palco maior do futebol europeu de clubes. A Liga Europa é, como o tempo vem provando, uma competição à medida de símbolos de média dimensão, bem ao jeito dos grandes portugueses que, tendo o infortúnio de cair na Champions, logo se tornam favoritos à vitória final. Mas isso é outra questão. Porque falha então sucessivamente o Benfica no confronto com os maiores?

Há vários níveis de análise que importa destrinçar. O primeiro, e mais importante, prende-se com a definição de prioridades desportivas do Benfica e, mais particularmente, do seu treinador. O segundo deriva do discurso institucional sobre esta matéria, também ele acomodatício do insucesso. E, finalmente, o nível de exigência que chega à equipa em dois patamares: vindo da direcção e vindo do exterior, dos adeptos. 

Comecemos pelas prioridades definidas por Jorge Jesus. Desde cedo se percebeu, e bem, que atacar o campeonato seria o leitmotiv do treinador do Benfica. A urgência de devolver ao Benfica a sua identidade de clube ganhador e, mais do que isso, de romper o predomínio portista "obrigavam" a reclamar rapidamente o ceptro nacional. Até aí, tudo bem, um clube só é grande se continuar a ser grande, se o presente fizer jus ao passado. Viver de glórias de antanho era coisa de que o povo benfiquista estava farto. Nada errado, portanto, em focar a preparação competitiva da equipa para a liga doméstica. Conquistado o primeiro campeonato no primeiro ano (2009/10), com uma presença mediana na Liga Europa (saída nos quartos de final, com o Liverpool), estavam lançadas as bases para, nos anos subsequentes, ser solidificado o projecto europeu, a ambição confessada de Luís Filipe Vieira. Mas Jorge Jesus nunca entendeu uma parte nuclear do ADN Benfica. Ganhar internamente é importante, claro, mas não é a meta final. Ganhar ligas em Portugal deve ser o suporte para projectar a equipa no exterior, entre os melhores. A identidade de clube grande é urdida assim. Jesus nunca entendeu isso. Para ele, "o campeonato é a prioridade", tantas vezes se lhe ouviu a expressão. E tantas vezes, no seguimento disso, se percebeu que a gestão dos jogadores e das expectativas da época secundarizou a Liga dos Campeões, em favor do campeonato nacional, como se uma valesse menos do que o outro. Não perceber que um clube com a grandeza do Benfica tem que figurar entre os melhores, tem que ganhar entre os melhores - sobretudo nos anos em que tinha recursos para isso - é passar ao lado da quintessência do clube. E chegar à final da Liga Europa, até ganhá-la, não apaga as sucessivas débâcles na Champions. 11 vitórias em 29 partidas (ainda falta uma deste ano), nas últimas cinco edições da Champions é um pecúlio demasiado curto! Não o admitir e tentar cobrir este facto com a peneira das finais de Liga Europa é uma falácia que só serve a Jesus. 

Depois, há a questão do discurso institucional do clube. Além do treinador que assume abertamente a prioridade no campeonato, o presidente Luís Filipe Vieira tem mantido um estranho silêncio sobre as sucessivas eliminações prematuras na Champions, também se escudando na consolação da Liga Europa. Mas há um contrasenso nisso. Por um lado, fala-se em projecto europeu, em colocar o Benfica entre os melhores, no "sonho" de ganhar a Champions e, depois, nos momentos de fracasso na prova maior, não há uma palavra do presidente. Também ele toma como normal a pequenez competitiva do Benfica europeu? 

E isso entronca no terceiro nível de análise: a cultura de exigência. Depois de duas décadas de capitulação desportiva, a mística benfiquista era, antes da chegada de Luís Filipe Vieira, uma miragem. E se parte significativa dessa mística foi regenerada, sobretudo pela destreza do presidente em comprometer a família benfiquista com o projecto, não é menos verdade que certos sectores do clube, tanto nos corpos sociais, como na falange de adeptos, ainda convivem melhor com a derrota do que os congéneres portistas. Não se trata de copiar modelos desportivos ou de gestão, mas estudar o caso portista é estar em contacto com o mais completo e cabal exercício de construção de uma cultura de vitória, alicerçada em anos sucessivos de exigência, de vontade de ganhar mais. Seria inimaginável acontecerem tantas saídas sem brilho da Champions, no F.C. Porto, sem a reacção indignada da massa adepta e a consequente corroboração presidencial. O desaire não fica impune na Invicta. Ao contrário, ter um discurso fraco na hora de perder, não o assumir frontalmente, não ser capaz de acrescentar o indispensável tom crítico que suporta a cultura de exigência é abrir portas para a repetição do insucesso. E é isso que internamente o clube Benfica ainda não percebeu. A cultura de vitória é uma tarefa de todos os dias, de todos os momentos e de todos os protagonistas. Mais exigência há-de trazer mais vitórias. E Luís Filipe Vieira nunca foi suficientemente veemente quando a equipa e Jesus falharam na Champions. Tudo isto, depois, repercute-se nos adeptos. Eles são, a maior parte das vezes, o espelho do discurso institucional do clube. Se não se alimenta a cultura de vitória, os adeptos não a praticam também. E assim aceitam mais uma eliminação precoce na Champions. 

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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Pharmakon - Bestial Burden

7,9/10
Sacred Bones, 2014

No ano transacto, quando Abandon chegou aos escaparates, já o epíteto Pharmakon havia suscitado a curiosidade de muitos melómanos fora do noise, esse nicho artístico pouco dado a fenómenos com expressão mediática maior do que as fronteiras do género e capazes de chegar a outros públicos. O sobressalto gerado pela música de Margaret Chardiet nem era propriamente resultado de uma fórmula virgem nesse domínio, mas sobretudo de perceber-se quão áspera, crua e gutural conseguia soar uma jovem de apenas vinte e dois anos (à data) e de como, na solidão catártica das suas actuações conseguia veicular, fosse na estridência e rudeza vocais, fosse na toxicidade instrumental, uma energia estranhamente hipnótica e sedutora. A busca da beleza na repulsa, a exploração das tensões e conflitos nesse absurdo paradoxal do indivíduo e, em certo sentido, a exposição visceral da sua própria natureza eram, então, as premissas maiores do assalto sensorial de Chardiet. Daí à proximidade com o radicalismo sonoro a distância era curta e, sem se deter em maniqueísmos, Chardiet colocou-nos perante um dilema de compromisso, talvez até a derradeira demanda existencialista: há na espécie humana um ímpeto de confronto que não se aquieta. Somos como somos porque mora em nós a pulsante chispa da conquista, mascarada nas múltiplas formas da ambição. Em Pharmakon, Chardiet rende-se ao lado mais assombrado e tortuoso da mundanidade: a ambição é um fantasma difícil de exorcizar.

De Abandon para cá, Chardiet viu o abismo. Operada a um tumor quase fatal, teve que conviver com a fragilidade do seu próprio corpo, na lenta convalescença que se seguiu. Bestial Burden é tingido pelo tom testemunhal desse processo de regeneração contra a traição celular e de evidência da vulnerabilidade. Também por isso, e em certo sentido, a música do disco é tão "física" quanto seria expectável, incluindo vómitos, tosse e arfadas, um roteiro cru ao tormento físico vivido por Chardiet. A mente impotente desconecta-se do corpo falido, rebela-se contra ele, quer desprender-se da frágil condição da mortalidade. No resto, a marcha das electrónicas ponderosas, as interferências abrasivas e a métrica quase industrial suportam uma voz ácida, cortante e enfeitiçada. Mas sempre, sempre humana. Porque o medo da morte é uma merda.

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sábado, 1 de novembro de 2014