domingo, 17 de setembro de 2006

Xiu Xiu - The Air Force

Apreciação final: 8/10
Edição: 5 Rue Christine, Setembro 2006
Género: Experimental/Pós-Rock
Sítio Oficial: www.xiuxiu.org








Só mesmo uma trupe tão controversa como os californianos Xiu Xiu podia germinar um álbum com o Messias cristão na capa e o título The Air Force. Tão bizarra associação de símbolos, intrinsecamente equidistante da iconoclastia e da piedade, encontra analogias nas charadas musicais de Jamie Stewart, guia criativo do projecto, e da cúmplice (e prima) Caralee McElroy. Os dois juntos, ocasionalmente acompanhados por Cory McCulloch, são obreiros de um mais firmes conceitos musicais da moderna música americana e, em The Air Force, mantêm as premissas identitárias que lhes valeram o culto generoso de uma restrita casta de séquitos, almas convertidas a uma doutrina musical ímpar, feita de avessos e impurezas. A fundação primitiva e indispensável das composições dos Xiu Xiu é o ruído, eles empregam toneladas dele, de tonalidades e origens distintas, ao ponto do espectro cromático das músicas ser difuso, intencionalmente partido, muitas vezes díssono, sempre faustoso, mesmo nos ápices ensimesmados e mínimos. A linearidade não entra nesta álgebra, as melodias decifram-se a custo num confronto de estratos musicais justapostos a preceito, projectando o som a uma amplitude invulgar, aspecto em que o disco suplanta o menos conexo La Fôret. Os contrastes de timbre fazem lei, confundindo a fixação do ouvinte, obrigado à incerteza de avistar o fio melódico de cada composição. É aí, nessa aparente vulnerabilidade (que, afinal, é a sua virtude de excelência), que a música dos Xiu Xiu se arroga das suas valências, aliciando-nos a sondar as mais ínfimas porções dos trechos, sem nunca as desfiar por inteiro. Como uma verbosa sonata digital, The Air Force é necessariamente poluído pelo excesso e pela retorção, pela intersecção e sabotagem de géneros e pela experimentação.

Os conhecedores da peregrinação dos Xiu Xiu pelos ângulos tétricos da circunstância e do acidente sonoro não acharão factos inopinados no novo disco. A singular fantasmagoria de Stewart mora aqui, talvez menos difusa no dramatismo, como que remida de um naufrágio presumido sob o efeito de anfetaminas mas nunca acontecido. Também por isso, por se salvar da alucinação sem deixar de a buscar, The Air Force pode muito bem ser a melhor obra dos Xiu Xiu. A prová-lo, habitam-no algumas peças do melhor do grupo, como a reinvenção shoegaze da extraordinária "Save Me Save Me", a bizarria de "Boy Soprano", as utopias de "Bishop, CA" ou o minimalismo de "Hello From Eau Claire", a dar a emancipação vocal a McElroy, num desalinho à CocoRosie. Mais expressionista do que isto só uma tela de Kandinsky.

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